Interpretação da imagem da Cerveja Sagres

Interpretação da imagem da Cerveja Sagres

25/11/2017 0 Por hernani

Análise de duas imagens publicitárias segundo os conceitos de Roland Barthes

Interpretação da imagem da Cerveja Sagres

A interpretação global da imagem da fotografia da Cerveja Sagres é substancialmente subjectiva, pois considera a faculdade de aceitar tensões que se estabelecem dentro de si e também a existência de significados que nos são endereçados pela luz, forma e textura, e nas várias relações dos elementos formais da sua composição. Porquê associar a mulher à cerveja? Não se sabe ao certo, mas fica evidente tal associação. O erotismo é utilizado como ferramenta de sedução na mensagem divulgadora da cerveja, onde a imagem da mulher é elemento central nesse processo de persuasão publicitária. Tentaremos compreender a estrutura da imagem no seu conjunto, isto é, a relação entre si das três mensagens que a compõem: mensagem linguística, mensagem icónica codificada e mensagem icónica não-codificada.

Um copo de cerveja Sagres, a mão do observador e a figura de uma mulher formam um grande ponto estático no centro da fotografia. O mar ao fundo auxilia a caracterizar esse elemento principal, dando a ideia de um lugar idílico. Devido à sua polissemia, está subjacente aos significantes desta imagem uma “cadeia flutuante” de significados, dos quais iremos abordar uns e ignorar outros, obviamente. Essa polissemia motiva uma incerteza sobre o sentido, que nos aparece sempre como uma disfunção, mesmo que esta seja recuperada sob a forma de jogo trágico ou poético.

A mensagem linguística desta imagem resume-se a uma frase gravada no copo: “CERVEJA SAGRES”. Para a decifrar somente é necessário conhecer a língua portuguesa. A sua função denominativa não é mais do que uma ancoragem de todos os sentidos possíveis (denotados) do objecto pelo recurso a uma terminologia. Ao nível da mensagem simbólica ela guia a interpretação em vez da identificação; ela é uma espécie de grampo que entrava os sentidos conotados de se multiplicarem, quer para regiões excessivamente individuais quer para valores incómodos.

Entretanto, é possível complementar a leitura da mensagem linguística com referentes culturais confinantes à imagem; muitos deles alusivos à portugalidade do termo SAGRES: A “Epopeia dos Descobrimentos”, a “Escola de Sagres”, o “Infante D. Henrique”. E só a função de fixação nos constrange a não nos alongarmos mais nesta cadeia flutuante de significados. Aqui, a mensagem linguística tem duas leituras, de denotação e de conotação; no entanto, como existe aqui um só único signo típico, SABER (o da linguagem articulada é a ESCRITA), considerar-se-á apenas como uma única mensagem.

Nunca como neste exemplo se reconhece melhor o sentido da Retórica da Imagem de Barthes, onde ele entende o termo retórico em duas acepções: por um lado, como modo de persuasão e argumentação, por outro, em termos figurativos. Nesta leitura simbólica, a imagem pura,  fotografia (significante) que nos permite reconhecer  “Cerveja Sagres” (significado) constitui um signo pleno (um significante ligado a um significado). Contudo, esse signo pleno progride na sua dinâmica significativa tomando-se o significante de um significado segundo: “portugalidade,  Epopeia dos Descobrimentos, Escola de Sagres, etc.

Diagrama de Barthes

Significante Significado
Significante Significado

Como imagem pura, esta fotografia oferece uma série de signos lineares e descontínuos. Um desses signo, a percepção de que se trata de uma ida à praia à procura de frescura. Este significado envolve por si mesmo dois valores eufóricos: o de desfrutar da frescura da água do mar e o de beber um copo de cerveja fresca. O seu significante é a figura da mulher a sair das águas do mar e o a mão a segurar o copo de cerveja. Para lermos este primeiro signo, é suficiente um saber de certo modo arraigado nos usos de uma civilização muito vasta, onde ir à praia ou beber um copo de cerveja fresca é a procura correcta da frescura ideal.

Um outro signo, é mais ou menos igualmente evidente: O seu significante é o brasão de armas de Portugal, que encima a mensagem linguística CERVEJA SAGRES, e que é por si só a união de outros vários pequenos signos: cinco escudetes de azul, postos em cruz, cada um carregado por cinco besantes de prata, postos em aspa, e uma bordadura de vermelho carregada de sete castelos de ouro. O seu significado é Portugal, ou antes, a portugalidade. Este segundo signo está numa relação de redundância com o signo conotado já acima mencionado (o significado da palavra SAGRES, que é referentes culturais alusivos à sua “portugalidade”). No entanto, o saber mobilizado por este signo é já mais particular: é um saber propriamente “português”. O estrangeiro comum dificilmente poderá captar a conotação do signo “brasão” com o país “Portugal”.

Mais um signo, a confluência da linha do horizonte com a água calma do mar, e deste com a areia dourada da praia, remete-nos para um significado estético, para um “still living”. Para lermos este terceiro signo é indispensável um saber fortemente cultural. Temos para esta imagem alguns signos, que forjam um conjunto concordante, pois são todos descontínuos, que obrigam a um saber vulgarmente cultural e que remetem para significados em que cada um é global e trespassado de valores eufóricos.

Poder-se-ia sugerir que se acrescente uma última informação: aquela que nos explica que se trata aqui de uma publicidade, e onde a significação da imagem é intencional e a mensagem publicitária é franca, ou pelo menos enfática.

O ambiente misterioso de um lugar desértico, quente, provoca a expectativa que é transportada para dentro de um copo de bebida, generalizando-se num apelo a bebê-la. Este convite, ao longo dos anos, tem sido explorado em registos publicitários envolvendo mulheres com ar enigmático e sedutor, a provocar o desejo. Aqui, a presença do produto está figurada por um copo estereotipado, como o usual para o consumo daquela bebida.

Uma das características marcantes desta imagem publicitária é o ângulo de visão: o olhar do (suposto) observador sobrevoa a cena, e a partir daí tem a sensação de dominar a situação, colocando a mulher em posição de submissão: devido a ilusão óptica, a mulher parece estar dentro do copo de cerveja. E o mistério, tal como está nas calmas águas do mar, também está no interior do copo. A mulher olha o observador de maneira directa e insinuante, e as feições são de simpatia, sensualidade e sedução. E o convite a beber a cerveja está duplamente formulado. O essencial está presente: o suspense, a expectativa, o mistério, que é traduzido por uma figura de mulher, a enfatizar o eterno desejo, o eterno convite. O usufruir de dois prazeres em simultâneo.

A luz difusa torna o ambiente ainda mais quente e acolhedor. O copo de CERVEJA SAGRES recebe uma iluminação frontal, forte, colocando-se em posição de evidência, com uma imagem fresca, assim o indicia um granulado húmido e gelado, activando as sensações de frescura e de sede. Ele toma uma total originalidade como se a sua dimensão não fosse repetivel, lembrando o “hic et nunc” benjamiano sobre a obra de arte: um aqui e agora que garante a sua autenticidade.

Segunda parte do trabalho, Análise de duas imagens publicitárias segundo os conceitos de Roland Barthes, inserido na Cadeira “Metodologia de Análise de Imagem”, da Licenciatura de Ciências da Comunicação e da Cultura, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (2010).

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Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2017)

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