Quando realizar o ecumenismo senão hoje? Uma polémica

Quando realizar o ecumenismo senão hoje? Uma polémica

25/05/2019 0 Por hernani

Quando realizar o ecumenismo senão hoje? Uma polémica

Bispo Munib, Presidente da Federação Luterana Mundial e Papa Francisco, Chefe de Estado do Vaticano. (Foto: L’Osservatore Romano)

“Com esta Declaração Conjunta, expressamos jubilosa gratidão a Deus por este momento de oração comum na Catedral de Lund, com que iniciamos o ano comemorativo do quinto centenário da Reforma. Cinquenta anos de constante e frutuoso diálogo ecuménico entre católicos e luteranos ajudaram-nos a superar muitas diferenças e aprofundaram a compreensão e confiança entre nós. Ao mesmo tempo, aproximamo-nos uns dos outros através do serviço comum ao próximo…”.

DECLARAÇÃO CONJUNTA por ocasião da oração ecuménica conjunta católico-luterana na Catedral Luterana de Lund (Suécia), em 31 de outubro de 2016, nas comemorações dos 500 anos do inicio da Reforma.

O movimento ecuménico moderno é uma invenção das igrejas protestantes. O termo baseia-se na palavra grega οἰκουμένη, o que significa mundo habitado. Já foi usado na Igreja antiga para significar todos os cristãos, a universalidade da Igreja. Mas, no século XIX, num esforço de superar a divisão entre as igrejas protestantes e para facilitar o trabalho missionário, criaram-se as sociedades missionárias protestantes interdenominacionais, particularmente nas colónias ingleses. O movimento ganhou força no século XX e culminou em 1948 na criação do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), incluindo 196 denominações, e também as igrejas ortodoxas. Não participaram as igrejas pentecostais neste movimento nem a Igreja Católica. Pelo contrário, ao registar a intensificação do ecumenismo o Papa Pio XI publicou em 1928 a encíclica Mortalium animos acentuando a Igreja Católica como a única Igreja com o Culto verdadeiro e convidando todas as outras denominações a voltarem à casa mãe, à Igreja Católica.


Nas últimas décadas as coisas mudaram bastante no mundo, e com a Internet podemos acompanhar o que acontece, mesmo nos cantos mais escondidos do Planeta. Como estamos hoje com a Religião Cristã? Primeiro, vale a pena notar que as diferenças teológicas do tempo da Reforma podemos considerar como estando mais ou menos superadas. Ainda existem diferenças nos sacramentos, no papel do padre e, particularmente do Papa, no significado dos santos e, particularmente na visão e dogmas da Igreja. Mas estas diferenças, que durante séculos estavam estreitamente ligadas aos poderes políticos e levavam a muitas guerras na Europa, hoje já não têm a mesma importância. Católicos e Protestantes unem-se, e muitas paróquias querem realizar cultos ecuménicos, até a Eucaristia em comum, o que oficialmente ainda não é possível. Estamos numa nova fase do Movimento Ecuménico? Como podemos interpretar os desenvolvimentos no mundo?


Com certeza há desenvolvimentos encorajantes. Ainda temos biliões de cristãos no mundo, em todos os continentes. Nos países antigamente socialistas, na antiga União Soviética e nos países da Europa de Leste, as igrejas ortodoxas encontraram uma revitalização. Em África e na América Latina as igrejas estão numa expansão rápida. Mesmo na China com uma política adversa à religião, as comunidades cristãs mostram-se vivas. Mas, cuidado, devemos ver os acontecimentos de mais perto!

Na Rússia, na Ucrânia, na Roménia, na Bielorrússia e na Sérvia (como também na Grécia), as igrejas ortodoxas estão intimamente ligadas à nacionalidade e assim aos governos, com todas as suas políticas envolvedoras à busca duma nova identidade nacional. Na Grécia isto está um pouco diluído, porque a Grécia nunca pertenceu aos países do bloco soviético e a Igreja na Grécia não dependia do Metropolita de Moscovo. Hoje, estas igrejas fazem críticas às outras igrejas no CMI por causa de certos assuntos mais éticos como a ordenação das mulheres e pontos de vista diferentes sobre a homossexualidade. As igrejas ortodoxas da Bulgária e da Geórgia já saíram do CMI. Em geral, as igrejas ortodoxas encontram-se numa fase crítica e em perigo de serem absorvidas pelas tendências nacionalistas.

Em África e na América Latina, a expansão cristã acontece hoje nas igrejas pentecostais e neopentecostais. Muitos pastores e crentes destas igrejas no entanto estão a ver no ecumenismo a ação do Anticristo. Espiritualmente estas igrejas não estão muito profundas. Tocam os crentes emocional ou moralmente, prometendo um bem-estar material para quem seguir a Igreja e pagar o dízimo. No Brasil, num dos centros desta expansão neopentecostal (com a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus como importantes fatores), até agora quase dois terços da população são católicos. Mas, nas últimas duas décadas, muitos Brasileiros tornaram-se crentes de igrejas neopentecostais. Estas igrejas já juntam 30% da população brasileira. Noutros países podemos observar o mesmo desenvolvimento, particularmente na América Central, nas Honduras, El Salvador e Guatemala já representam 40% da população, ainda menos na Colômbia, na Argentina ou no Chile, mas com a mesma tendência. Podemos observar estes desenvolvimentos também em Moçambique e Angola. Na África do Sul e em outros países africanos não temos as mesmas influências do Brasil, mas aí as igrejas tradicionalmente africanas, muitas vezes sincretistas que na sua doutrina misturam elementos do Cristianismo com as crenças tradicionais, estão no mesmo caminho de expansão, em detrimento da Igreja Católica ou das igrejas protestantes de origem missionária. Podemos considerar isto como sinal da deceção das pessoas, desiludidas pelas promessas das políticas e pelos desenvolvimentos económicos, sociais e políticos reais nos países.


Ao mesmo tempo, nestes anos, a Igreja Católica e as igrejas protestantes unidas no CMI encontram-se numa posição defensiva. Na Igreja Católica observamos uma luta interna pela orientação futura em Teologia e Ética. O Papa Francisco representa para uma parte dos crentes a abertura para os homens e para o futuro, o regresso da Igreja às origens; para a outra parte ele está a trair as instituições e as tradições, a vocação da Igreja que deveria resistir ao espírito da época. Ainda não se sabe para onde a Igreja vai, mas sente-se uma forte inquietação. Observamos também um debate dentro da Igreja e com as instituições seculares sobre o abuso sexual que chega ao nosso conhecimento em quase todos os países, não só na Igreja mas sacudindo esta com uma força particular, questionando os fundamentos da Igreja. É óbvio que a única reação possível nesta situação será uma posição de franqueza completa, orientada para as vítimas e não para a defesa da instituição. As igrejas protestantes estão também afetadas por este debate, mas muito menos porque não conhecem o celibato obrigatório que em muitos casos parece ser uma das origens do abuso sexual dentro da Igreja Católica. Mas, as igrejas protestantes – não falando das pentecostais – sofrem de outros problemas. As igrejas estão a esvaziarem-se. Os crentes voltam-lhes as costas, nas nossas sociedades secularizadas temos cada vez mais agnósticos, outros sentem nas igrejas um vazio espiritual. Tudo isto mostra que precisamos duma mudança fundamental nas nossas igrejas, tanto a Católica como protestantes.


Não será certamente o momento para intensificar o debate sobre os fatores separatórios das igrejas, mas o contrário para uma cooperação mais intensiva. Isto não significa uma unificação, a criação de uma única Igreja. Para isso, se fosse mesmo já superada a maior parte dos problemas teológicos, os obstáculos institucionais ainda poderão impossibilitar qualquer passo para um futuro das igrejas em conjunto. Provavelmente nem sequer será necessário chegar a uma única Igreja. O que precisamos será uma aceitação mútua como Igreja, com um Deus único, com o Senhor Jesus Cristo a orientar os crentes e com o Espírito Santo vertido em cima de todos os cristãos. Isto implicaria também uma comunidade plena entre as igrejas com uma comunhão para todos os crentes em qualquer uma das igrejas. Nestas igrejas, mulheres e homens terão os mesmos direitos e deveres podendo desempenhar as mesmas funções. Assim, este Movimento Ecuménico que precisamos será mais um ecumenismo prático, uma vida espiritual em comunidade cristã. Isto não quer dizer que o debate teológico terá terminado, isso não. O debate teológico em todas as disciplinas sempre existiu, daí deverá continuar. Mas este debate já não terá essa força divisionista como no passado.


Os dirigentes das igrejas poderiam, com este passo para o Ecumenismo, juntar-se aos crentes que querem e precisam desta Comunidade Cristã. Será provavelmente um passo para revitalizar a espiritualidade nas igrejas, o sentimento de fazer parte duma mesma comunidade, com certas características exteriores bem diferentes, mas com o mesmo fundamento e com o mesmo fim.

 Eckehard Fricke

© Eckehard Fricke (2019)

Licenciado em Teologia e Pedagogia

eckehard.fricke@web.de

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