Tributo a Agustina Bessa-Luís
04/06/2019Tributo a Agustina Bessa-Luís
No momento em que estão a terminar as homenagens fúnebres na Sé do Porto a Agustina Bessa-Luís, começo eu a escrever este meu pequeno preito à sua pessoa e ao seu trabalho literário, pelo que este representa para a cultura do pensamento e do onírico dos Portugueses.
Conheci Agustina Bessa-Luís aquando da sua passagem por Alenquer, em 2001, para um colóquio na Biblioteca Municipal. Estranhamente, tanto para o local como pela presença de tal vulto da Literatura Portuguesa, o pequeno auditório apresentava-se despido de público, meia casa que tanto, o que afinou a programação prevista para uma quase tertúlia: nas palavras do repórter do Jornal D’Alenquer, “colóquio que gradualmente se foi transformando numa conversa sem constrangimentos”.
Face às suas imediatas respostas às perguntas da assistência, a minha admiração pelo seu percurso literário solidificou-se. “A identidade é uma língua. Eu tive a minha carreira fora de Portugal e, perdendo a língua, eu perdia a referencia de mim própria”.
Ouvi Agustina dizer que considerava a Globalização como uma identidade restrita de um país. E quando surgiu uma pergunta sobre o seu primeiro livro, prontamente respondeu: “quando surgiu o desejo de publicar um livro, escrevi vários contos, que dei a ler, passando desde aí a achar que os críticos (literários) podem ser uma fraude”.
Como era habitual nessa época, e já lá vão dezoito anos, convidava, para uma entrevista, os conferencistas que vinham à Biblioteca Municipal. Assim igualmente foi com Agustina Bessa-Luís. Consagrei a tal trabalho três das cinquenta e seis páginas da edição do Jornal D’Alenquer de 1 de dezembro de 2001.
GRANDE ENTREVISTA A AGUSTINA BESSA-LUÍS, “A SENHORA DOS MIL ANOS”, foi o título escolhido, guiado pelas palavras de Mónica Retor, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), que em certa altura disse que a “verdadeira SIBILA é a autora-narradora. Agustina é a senhora dos mil anos, porque tem o poder da sabedoria e do conhecimento”.
Como chancela dessa minha conversa com Agustina Bessa-Luís, trago aqui uma das suas respostas mais cintilantes: “Escrevo para desconcertar, o maior número de pessoas, com o máximo de inteligência; por narcisismo, que é um fogo civilizador; para ganhar a vida e figurar no «LAROUSSE» com o mesmo realismo utópico que aquele aplicado à Madame de Pompadour. Eu escrevo para tirar as ilusões, com mérito, o que é uma forma de chamar a atenção dos outros, com virtude”.
A publicação da Sibila, em 1954, veio a tornar-se o ponto de partida para uma vasta obra voltada para temas universais, veio alterar radicalmente a sua visão daquilo que escrevia. Sente que, a partir desse momento, tem de se defender da glória: “tive a impressão de que precisava de acautelar-me e, para tal, tinha que conhecer toda uma estrada atrás de mim. Olhar de frente para os entes amados e entender-me com eles, sondando o incurável das nossas relações em que o amor perdia sempre (…) o bem estar, o amor confessado e vivido pareceu-me perigoso; eu só tentaria acercar-me de através de inúmeros e evasivos espaços, coisa e pessoas”.
Sobre o feminismo afirmou que “não sou feminista de maneira nenhuma. Não há razão para a mulher ser feminista, elas adaptam-se às circunstancias e as circunstância é que as vão formando, porque elas são mais obedientes do que pensam em relação à vida”.
Coloquei a Agustina o seguinte: A energia de Agustina Bessa-Luís cansa, num país de lírios de água e de gente mordida pelo zelo alheio. Por isso, o seu lugar na literatura contemporânea é um lugar incómodo. Somos um país de invejosos? A resposta pronta: “Acho que sim. Num modo geral as sociedades organizadas, e nós, embora um pequeno povo, somos uma sociedade organizada, mesmo na mais profunda província, somos invejosos…”.
Ainda lhe perguntei sobre a cultura oriental, o cerimonial e o rito por ser um dos seus interesses de leitura. Porquê? “Porque é uma cultura de grande subtileza, de grande contemplação em que o tempo, o veiculo para a aquisição de coisas, não é dessa maneira que ele é visto e sentido. Acho que aquela grandeza é tão especial na cultura como na natureza”.
Numa determinada altura perguntei-lhe se estava mais próxima de Eça ou de Herculano e Agustina respondeu-me que estava mais próxima de Camilo. Porquê? “O Herculano foi um homem de grande responsabilidade e de grande nobreza de carácter. O Eça deslumbrou-me numa certa idade, pelo seu estilo, pela elegância que ele tinha, pelo conhecimento da escrita, mas hoje já não tenho por ele aquela admiração que tive, embora o considere ainda um grande escritor, sem dúvida nenhuma. Estou mais próxima do Camilo (Castelo Branco) porque ele é, talvez, como o Balzac, um homem mais imediato na sua vocação, um grande escritor que quase não precisa de se afirmar pela cultura, ele é o que é”.
Na época, era costume eu servir de porta-voz de alguns convidados previamente escolhidos a apresentarem cada um uma pergunta ao meu entrevistado:
Manuel Viana (escritor). Que pensa da bolsas para a criação literária? Vê nelas eufemismo do Rendimento Mínimo Garantido, aplicado a alguns trabalhadores intelectuais? “Não penso muito bem. Um escritor ou um qualquer outro artista que trabalhe conforme a sua vocação, tem que trabalhar, primeiro que tudo, a sua vontade e tem que afirmar-se através da sua vontade. Se há muita facilidade (eu não digo que se favoreça a indigência), mas ele deve ter o suficiente mas não demasiado, porque depois descansa e naturalmente há sempre a tentação de se deitar à sombra dos louros. As bolsas não tem dado resultado especial”.
Teresa Alvarez (escritora). A Agustina romancista habituou-nos a um universo onde a família e a História se entrelaçam. Como surge a Agustina ensaísta? “Acho que as coisas estão ligadas. Todos os escritores, de um modo geral, nem que seja numa frase, são ensaístas, porque se destinam a fazer uma síntese duma sociedade”.
Nuno Roldão (colunista do Jornal D’Alenquer). Na História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva, este escreve: “literalmente Agustina não tem antecedentes, a não ser, talvez, longinquamente, na Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro”. Quer comentar? “Sim. Ainda hoje tenho uma grande devoção pelos livros de Bernardim Ribeiro, pela sua poesia. Acho que não se fez mais pela literatura. Se a nossa literatura tivesse só esse livro, era uma grande literatura, não precisava de mais”.
Pedro Pinheiro (ator de teatro). Quer fazer um comentário à sua passagem como diretora do Teatro Nacional D. Maria II? “Quando o Professor Cavaco Silva me convidou para diretora, eu, ingenuamente, aceitei, porque não sabia o que ia lá encontrar. Todos me diziam que aquilo era um saco de gatos, mas eu não sabia o que era um saco de gatos. Apesar de várias pessoas aconselharem-me a sair, no entanto, gostei de ter passado por lá”.
Jacinto Ramos (ator de teatro). Agustina foi uma boa diretora do Teatro Nacional D. Maria II, e eu aconselhei-a várias vezes a sair. Gostaria de saber qual é o seu atual ou próximo projeto na área do teatro. “Tenho muito gosto em saber notícias do Jacinto Ramos. Ainda hoje, depois destes anos, era capaz de aceitar o lugar de diretora do Teatro Nacional, ainda que ache que o diretor deva ser um profissional do teatro ou uma figura pública, portanto, aceitaria como figura pública. Penso que ainda faria um bom trabalho”.
Agustina Bessa-Luís sempre foi merecedora dum conjunto de adjetivações que já não nos surpreende e, segundo afirmação de Salvato Trigo, reitor da Universidade Fernando Pessoa, aquando do congresso internacional sobre os 50 anos da vida literária de Agustina Bessa-Luís, “ela é a pessoa a quem o país deve alguma da sua educação estética e literária mais permanente e sólida nesta contemporaneidade tão agitada”.
Agora, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, disse esta terça-feira que Agustina Bessa-Luís “está no Panteão de todos os portugueses”, recordando-a como “um génio que soube retratar as mudanças de Portugal”.
Alenquer, 4 de junho de 2019
Colóquio na Biblioteca Municipal de Alenquer
– Jornal D’Alenquer de 1 novembro de 2001, pg. 23.
Entrevista a Agustina Bessa-Luís, “a senhora dos mil anos”
– Jornal D’Alenquer de 1 de dezembro de 2001, pgs. 27, 28 e 29.
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2019)
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