Entrevista a… Jerónimo Sousa, Secretário Geraldo do PCP

Entrevista a… Jerónimo Sousa, Secretário Geraldo do PCP

01/02/2005 0 Por hernani

Secretário Geral do PCP

Entrevista a… Jerónimo Sousa

Reforçar o número de deputados da CDU, para que PSD/CDS fiquem minoritários na Assembleia da República e para obrigar o PS a recuar na sua política de Direita e começar a praticar uma política de Esquerda, são os principais objectivos eleitorais apontados pelo líder comunista

Jerónimo-Sousa

A solução para a produtividade está no mercado interno e não nas exportações; melhorar os salários dos trabalhadores para aumentar o consumo e assim aumentar a base tributária é uma das formas apontadas para aumentar as receitas fiscais.

Uma política de desenvolvimento económico ao serviço do progresso de Portugal, uma política Social ao serviço do bem-estar das populações, uma política cultural democrática, uma política orientada para a defesa e o reforço do regime democrático e uma política externa de paz, cooperação e amizade, são as reais necessidades de desenvolvimento de Portugal, um país com baixos níveis de desenvolvimento e que apresenta carências e défices estruturais significativos. Tudo porque existe um quadro internacional determinado pelo processo de globalização capitalista e pelo desenvolvimento de uma União Europeia guiada para a aplicação de políticas neoliberais e de orientações macroeconómicas monetaristas expressas, nomeadamente, através da aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Isto é o que pensa Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do Partido Comunista Português, o único líder partidário, candidato a Primeiro-ministro, que se deslocou a Alenquer nesta pré-campanha eleitoral para as legislativas. Aconteceu no passado dia 29 de Janeiro, para participar no almoço que a CDU de Alenquer levou a efeito na Sociedade Recreativa do Camarnal.

Aproveitando a oportunidade ouvimo-lo em Grande Entrevista.

Que espera destas eleições?
O que nós estamos a considerar como primeiro grande objectivo é derrotar a Direita, e isso significa deixar o PSD e o CDS-PP em minoria na Assembleia da República, e como segundo grande objectivo é reforçar o número de votos e de deputados eleitos pela CDU.

Jerónimo-Sousa_2Julga como indispensável existir uma maioria absoluta para se poder governar?
Não; basta consultar a história. Já existiram maiorias absolutas de todas as formas e feitios. Desde uma maioria PS/CDS, uma maioria PS/PSD, uma maioria absoluta de Cavaco Silva, uma maioria absoluta da AD, uma maioria absoluta do próprio PS que recorreu ao chamado “Deputado do Queijo Limiano”, e esta mais recente PSD/CDS-PP. Todas elas falharam, todas elas fracassaram.

Quer comentar o que Guterres invocou de que tem a «autoridade moral de quem viveu seis anos de governos minoritários para justificar como alegadamente indispensável a obtenção de uma maioria absoluta pelo Partido Socialista nas próximas eleições.
Num ponto de vista dos partidos da Esquerda, independentemente da composição do Governo, seria sempre possível haver uma sustentação parlamentar, uma maioria parlamentar, com base em políticas, que sendo de partidos de Esquerda naturalmente deveriam de ser de Esquerda. E a grande contradição e a crítica que fazemos ao PS fundamentalmente é porque sendo e afirmando-se um partido de Esquerda, no essencial tem praticado políticas de Direita. Podemos dizer que o PS não é igual à Direita, mas naquilo que é estruturante tem desenvolvido de facto uma política de Direita.

Freitas do Amaral recentemente aconselhou os portugueses a votarem no PS e pediu uma maioria absoluta. Considera-o um homem de Esquerda?
É muito difícil atribuir essa classificação a Freitas do Amaral; julgo que esta postura e este posicionamento, independentemente da evolução ideológica que o próprio possa ter, visa fundamentalmente ficar na grelha de partida para a questão das presidenciais.

Numa situação dessas, de Freitas do Amaral ser apoiado pelo PS, a haver uma segunda volta entre ele e Cavaco Silva, qual seria o posicionamento do PCP?
Isso é um cenário ainda muito prematuro. Em primeiro lugar há estas eleições legislativas e depois vai haver eleições autárquicas, possivelmente dois referendos, e só depois as presidenciais. Ou seja, do nosso ponto de vista aquilo que aprovamos em Congresso, em termos das presidenciais, é fundamentalmente que tudo faremos para impedir que a Direita ocupe esse importante cargo institucional; é este o primeiro objectivo, mas mantendo o poder de decisão autónoma da nossa soberania, inclusive para, se necessário, apresentar um candidato próprio.

ALENQUER – Eleições de 2005
Jerónimo de Sousa na sua intervenção no almoço na sede da Sociedade Recreativa do Camarnal

No fundo, ainda acredita num entendimento com o Partido Socialista para uma maioria?
É uma questão central que está colocada. Se a Direita perde, alguém ganha; e naturalmente nós pensamos que o Partido Socialista vai conseguir o maior número de deputados. Mas a questão, e insisto na ideia, nunca esteve, nem está, na existência de maiorias, mas sim nas políticas que se praticam. E nesse sentido o PCP reafirma a sua inteira disponibilidade para, depois das eleições, examinar com todas as forças políticas de Esquerda as possibilidades de políticas e de soluções governativas, sempre com esta condição, que é a do PCP nunca aceitar abdicar do seu compromisso com os trabalhadores e com o povo português, isto é, o de não subscrever e avalizar políticas de Direita. Portanto, em relação a esse cenário possível, a melhor prova do pudim é comê-lo, e que neste sentido será só perante programas e políticas concretas é que nós decidiremos.

O PCP não está a afastar, em definitivo, a possibilidade de um acordo pós-eleitoral com o PS, ao dizer que “os sinais dados pelo PS, neste período de pré-campanha constituem um forte indicativo de que a matriz essencial das políticas neoliberais dos seus anteriores governos permanece como orientação programática do partido”?
Colocou aí uma questão interessante que é esta: se o PS se afirma de Esquerda, não é de mais exigir – não é mudar, não exigimos ao PS que mude – que seja um partido de Esquerda e que realize uma política de Esquerda. A contradição é um partido de Esquerda a praticar uma política de Direita. E nesse sentido, não se trata de nós, como “Esquerda coerente” que somos, mudarmos alguma coisa: O PS, tendo em conta experiências passadas, tendo em conta que a causa principal das suas derrotas sucessivas foi sempre a realização de políticas de Direita, deveria assumir-se como partido de Esquerda e realizar políticas de Esquerda; assim, de certeza que haveria uma grande área de entendimento possível entre nós e o PS.

É por causa desta política, que diz ser de direita, que acusa o PS pelo afastamento dos cidadãos da Política?
Pois é. Repare, hoje existe muita gente desencantada, desinteressada, com tendência para o desânimo, para abstenção, porque ao longo de 28 anos assistiram, ora ao PS, ora ao PSD, com ou sem o CDS, a realizarem no essencial as mesmas políticas. Hoje, olhando para o nosso país concreto, porque é disto que temos que falar, é um país que se distanciou da média da União Europeia, um país com os mais baixos salários médios, com as piores reformas, com meio milhão de desempregados, com uma economia numa situação de crise, de atraso. Mas houve políticas concretas que levaram a este resultado. Neste sentido penso que “mais do mesmo” será dramático para a própria Democracia, porque o nosso povo não deveria de ser confrontado com esta ideia de afinal não valer a pena votar. Julgo que é perigoso para o próprio regime democrático que um dia o nosso povo possa pensar assim.

ALENQUER – Eleições 2005
Jerónimo de Sousa e Bernardino Soares foram recebidos pelos directores da ACICA

No fundo, ainda acredita num entendimento com o PS, embora para isso seja essencial o reforço eleitoral da CDU. Julgo que é isso que pensa!…
Essa pode ser a novidade nestas eleições; ou seja, sei quem vai perder, admito saber quem vai ganhar, mas a grande questão é saber se com o reforço da CDU pode-se, ou não, levar a que o PS faça uma inflexão na sua política realizada em anteriores governos; este é o grande desafio que está lançado. Quando nós reivindicamos mais deputados, mais votos, não estamos a pensar numa visão mesquinha, partidária, mas sim num voto que valha a pena.

Pelos compromissos que assumiu e por aquilo que realizou na Assembleia da República, a sua obra, os seus projectos, as suas propostas, dão este sentido de respeito por quem em nós votou; por outro lugar conta a dobrar, porque pode ser a novidade que leve a uma inflexão, a um desbloqueamento do PS para que volte a encontrar caminhos de Esquerda.

Esta recente disponibilidade do Bloco de Esquerda viabilizar um governo PS após as eleições, se os votos no BE forem o suficiente para manter esse entendimento, pensa que mesmo assim o PS preferirá o PCP?
Naturalmente admitimos que possa haver esse recurso, mas insistimos nesta ideia: se é um mero acordo de sustentação de políticas de uma forma acrítica, de uma forma de abdicação desses conteúdos dessa mesma política, o BE e o PS o dirão.

Aquilo que dizemos é que esta grande disponibilidade mas simultaneamente grande afirmação de principio e de fundo, de que tem que haver uma ruptura com o passado; para isso tem que haver uma mudança, um virar de página, e isso só é possível com o reforço da nossa votação.

Até hoje assistimos mais a uma aproximação por parte do BE às políticas do PS, do que por parte do PCP.
Isso tem a ver mais com alguma radicalidade de discurso. Em termos de soluções, de ideias e de ideologia há de facto um aproximar ideológico do BE ao PS, designadamente um partido que tendo causas, muitas delas copiadas do PC, designadamente a interrupção voluntária da gravidez e a questão da política fiscal, mas de qualquer forma é um partido que não define o seu próprio projecto. Eu não queria dizer como o Willy Brandt um dia afirmou que um “fogoso esquerdista será no futuro um bom social-democrata”; não vou por aí mas de qualquer forma pode haver essa tentação e essa tendência.

ALENQUER – Eleições 2005
Jerónimo de Sousa e Bernardino Soares visitam o Mercado Municipal

Quais as diferenças mais significativas que vê entre os programas eleitorais do PCP e do PS?
Em primeiro lugar, uma diferença grande é o PS ter uma fixação muito grande em relação ao défice público. Penso que é um problema, mas não é o problema da nossa sociedade. O desenvolvimento e o crescimento económico são questões que o país precisa deles como pão para a boca, e a fixação apenas na questão da despesa e não considerar, por exemplo, a questão da receita e a possibilidade de uma outra política fiscal, que não vá buscar aos bolsos, que estão vazios, de quem trabalha, dos micros, pequenos e médios empresários, dos pequenos agricultores, mas sim que vá buscar ao saco cheio dos sectores do capital financeiro, do capital especulativo e do capital imobiliário. Consideramos inadmissível que um pequeno empresário pague, em percentagem, o dobro do que qualquer banco paga; é um exemplo concreto.

Vejo, no programa do PS, um pouco a ideia de ver os trabalhadores da Administração Pública como bodes expiatórios, uma ideia peregrina de, por exemplo, aumentar a idade da reforma para os 70 anos, a não regulação das normas mais gravosas do código do trabalho, a ideia da saúde de continuar numa linha de privatização de hospitais e de serviços públicos e de benefícios sociais do Estado. Estes são os passos de clivagem que existem entre nós e o PS.

E o que separa os programas eleitorais do PSD e do PS?
Haverá diferenças na área social, mas como dizia um jornal nacional, recentemente, em termos de finanças e de economia verifica-se, em ambos os programas, uma ideia de Bloco Central.

O que pensa sobre a recusa de Sócrates para os debates a dois na SIC Notícias?
A Democracia perdeu, porque o debate, o confronto de ideias e de propostas é sempre enriquecedor para o próprio regime democrático. Ou seja, fugir aos debates é condicionar a própria opção eleitoral dos eleitores pela via do conhecimento concreto das propostas. Sócrates fez isto, Santana Lopes acabou por fazer o mesmo; na minha opinião um erro nunca justifica outro erro, e com isto quem acabou por perdeu foi a Democracia.

As 25 medidas propostas no programa do PCP indiciam um aumento significativo da despesa pública. Pensa que o aumento da base tributária indicado é o suficiente para contrabalançar esse aumento de despesa proposto?
Nós não defendemos só o aumento da despesa; o que nós defendemos é o aumento da receita. É pelo aumento da receita que poderiam ser aplicadas algumas dessas 25 medidas urgentes que nós colocamos. Ver apenas a questão da despesa não chega.

Mesmo em relação à despesa, é possível cortar o desperdício, cortar esse escândalo que é o da colocação de amigos e compadres no aparelho de estado, e já são mais de duas dezenas de milhares, nos sucessivos governos em que isso acontece. Mas a questão da receita é fundamental.

Segundo uma projecção, desde 1985 até 2004 andam a voar vinte e seis mil milhões de contos, sublinho, vinte e seis mil milhões de contos, que caso fossem cobrados naturalmente poderiam resolver o problema que está a colocar que é de se encontrar dinheiro para essas medidas que nós propomos.

O que pensa da Revogação da Lei dos Partidos, da Lei do Financiamento e das Campanhas Eleitorais?
Considero que foi uma clara ingerência do Estado na vida interna dos partidos. É falso que fosse a questão do voto secreto a questão das questões. A questão de fundo, quer saber? Como é que se pode admitir que no quadro actual do regime democrático haja por parte de alguns partidos o quererem impor as suas regras a outros partidos, no plano interno, naturalmente?

Com respeito pela Constituição, mas há autorregulação, há autofinanciamento. Não deveria de haver esta ingerência. E neste sentido nós pedimos a revogação.

Em relação à lei do financiamento há-de reparar que enquanto se deu mais verbas, mais dinheiro para os grandes partidos, reduziu-se essa verba em relação aos pequenos. Há ali medidas concretas que foram talhadas contra o PCP, designadamente pela sua “Festa do Avante”, em relação à contribuição dos seus militantes e dos seus eleitos. Foi uma lei talhada à medida contra o PCP e não uma lei democrática.


PERFIL
Jerónimo-SousaJerónimo Carvalho de Sousa
Nasceu a 13 de Abril de 1947.

Profissão
Afinador de máquinas


Cargos que desempenha
Secretário-Geral do Partido Comunista Português
Deputado, eleito pelo Circulo de Setúbal;
Secretário da Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais;
Membro da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional;
Membro da Comissão Política do Comité Central do Partido Comunista Português.

Cargos exercidos
Deputado na Constituinte, I, II, III, IV, V e VI Legislatura;
Membro da Direcção do PCP;
Membro da Direcção do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa;
Vice Presidente do GP/PCP;
Vice Presidente da Comissão de Trabalho Segurança Social e Família;
Membro da Comissão Executiva Nacional da C.C. do PCP;
Coordenador da C.C. das Comissões de Trabalhadores da Região de Lisboa.



Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2005)

diretor do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer de 1 de Fevereiro de 2005, p. 10 e 11


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