Alenquer em dívida com Amadeu Torres

Alenquer em dívida com Amadeu Torres

01/04/2005 0 Por hernani

“Medalha de Mérito Municipal”, o mínimo exigível

Alenquer em dívida com Amadeu Torres

“Quem não se acomoda incomoda, quem incomodar começa por estar a mais, torna-se no mínimo polémico, contestável e contestado”. (Amadeu Torres)

 

Guilherme Henriques é o nosso historiador (alenquerense) mais famoso; depois de ter publicado os “Inéditos Goesianos” muitos investigadores começaram a escrever sobre Damião de Goes, a maioria baseada na obra de Henriques. Do lote dos que souberam ir para além disso, entre outros Joaquim de Vasconcellos, Mário Brandão, Luis de Matos, Joaquim Veríssimo Serrão, Marcel Battailon, Jean Aubin e Elisabeth Feist Hirsch, destaca-se, a muita distância dos restantes, Amadeu Rodrigues Torres, professor catedrático da Faculdade de Filosofia de Braga, da Universidade Católica Portuguesa, tornando-se na “figura máxima dos estudos goesianos, o “Magnífico” desta escola magnífica de amigos de Damião.

O seu interesse por Damião de Goes começou quando era estudante em Coimbra e lhe pediram para traduzir do latim certas cartas do Humanista. Passados anos, em Lisboa, utilizou essas cartas, e outras que entretanto encontrara, na tese da sua licenciatura em Filologia Clássica (Damião de Góis e o Ciceronianismo). O alenquerense voltou a servir de inspiração a nova tese de curso, desta vez de doutoramento em Filologia Clássica (Noese e Crise na Epistolografia Latina Goisiana).

Em Lovaine, durante vários anos, quando estava a fazer a tese, trabalhou na biblioteca. “Damião de Goes viveu lá e foi lá que casou. Damião correu a Europa e eu fui atrás dele. Nos lugares onde ele esteve, eu estive também.

Encontrei manuscritos, cartas, autógrafos, que me diziam já não existirem. Eu também sempre dissera que era possível que ainda existisse mais alguma, e encontrei trinta e tal. Entre essas cartas escritas pelo secretário, mas assinadas por ele”, disse-nos uma vez, como a desculpar-se por ter “perseguido” exaustivamente um conterrâneo nosso.

A partir daí foi um nunca mais parar. Amadeu Torres quando se refere a “Damianus a Goes, iuvenis domi nobilis” (expressão empregue por Erasmo de Roterdão), fá-lo sempre com uma ardência exaltante que contagia, que comove e enobrece quem o ouve ou lê.

Um determinado dia perguntámos-lhe se o “português” seria uma língua de afeto e de liberdade”, ao que respondeu: “Claro, e o próprio Damião de Goes foi um dos que lutou mais pela liberdade da escrita e da expressão, quer falada quer coloquial, quer através dos homens; e foi por isso que ele foi perseguido e foi morto”.

Quando escreve o nome do nosso Humanista fá-lo “Góis” em vez de “Goes”, embora reconheça que a tradição manda que se escreva “Goes”, o que considera igualmente estar correto.

Há algum tempo chegou-me às mãos o jornal “Diário do Minho”, onde Amadeu Torres assinava um trabalho, de duas páginas, lembrando que “em Fevereiro de 2002, faz 500 anos que, na vila de Alenquer, nasceu Damião de Góis”. “A infeliz data que foi a dos 400 anos da sua morte, ocorrida em 30 de Janeiro de 1574, data que afinal acabou por ser descomemorada sob os fluxos e refluxos da política em efervescência. Apesar de ter-se distinguido pela independência intelectual e pela defesa dos direitos de cidadania, havia então quem não apreciasse nada, antes pelo contrário, tais prerrogativas decorrentes da simples dignidade humana”.

Mais à frente a propósito da presença falhada do Ministro Carrilho, o Professor afirmava: “e Alenquer protestou, em 10 de junho de 2000, por ocasião da inauguração da estátua ao seu filho mais ilustre…” Dizia ainda o Professor “ter lamentado que nesse dia, o Governo se tivesse ausentado para Viseu e ninguém se houvesse lembrado duma inauguração como aquela: esse gesto soube a incompetência suprida perante factos relevantes da nossa História, cujos vultos de escola aparecem não raro intervalados de séculos”.

Amadeu Torres foi Comissário Científico da exposição “Damião de Góis: Humanista Português na Europa do Renascimento”, uma parceria entre a Câmara de Alenquer e a Biblioteca Nacional, que esteve patente ao público de 25 de julho a 31 de Outubro de 20002, em Lisboa, para comemorar o V Centenário do Nascimento de Damião de Goes.
Foi o mentor do maior feito até hoje havido de homenagem a Alenquer e a um dos seus filhos: referimo-nos ao “Congresso Internacional Damião de Goes na Europa do Renascimento”, efetuado em Braga, nos dias 29, 30 e 31 de Janeiro de 2003, de que foi o Presidente.

No discurso de encerramento Amadeu Torres referiu-se assim ao Congresso: “uma das razões da realização do congresso, foi justamente o desagravo sociocultural a Damião de Goes; e o segundo foi o de significar um sincero desagravo eclesial, ao proporcionar uma oportunidade de consciencialização lúcida, perante um tribunal cuja sentença se excedeu no rigor”.

Na altura, referimo-nos assim, em reportagem: “O som das diferentes línguas que se misturavam, indiciavam a presença de cientistas, investigadores e especialistas, oriundos, das mais díspares partes do mundo, de universidades e entidades interessadas nos estudos de Damião de Goes e do seu trajeto humanista”. “180 congressistas, 24 conferências, 23 comunicações livres, 18 universidades e outras representações académicas aqui representadas, assim como 9 países: Alemanha, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Itália, Namíbia e Reino Unido, para além de Portugal.

“Damião de Goes” e “Alenquer”; foram milhares as vezes que estas palavras ecoaram, durante as conferências ou nos intervalos, nos corredores ou às mesas dos restaurantes. Como alenquerenses, sentimo-nos deveras felizes por termos assistido, e participado, no mais significativo evento cultural-cientifico que alguma vez se realizou em homenagem a Alenquer ou algum dos seus filhos”, concluíamos.

Pensamos ter chegado a hora de Alenquer agradecer a Amadeu Torres todo o trabalho intelectual desenvolvido que possibilitou o estudo e a divulgação da vida e obra de Damião de Goes: Pelo empenho com que o fez, propomos que a Câmara agracie o Professor Doutor Amadeu Rodrigues Torres com a “Medalha de Mérito Municipal”, por se considerar que o seu trabalho promoveu e prestigiou Alenquer e as suas gentes. Que essa decisão seja transmitida por um alenquerense no próximo colóquio internacional, a realizar em Braga de 20 a 23 de abril, onde o Centro de Estudos Humanísticos da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, vai homenagear o investigador por ocasião do seu 80º aniversário.

Damião de Goes, “O Humanista português na Europa do Renascimento”, ficou como símbolo da intolerância religiosa e do afogamento intelectual da época; esperemos que os responsáveis políticos alenquerenses contemporâneos não fiquem na História como símbolo da ingratidão suprema: a “chatice da cultura”, a isso aconselha.

 

Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2005)

Director do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer, 1 de Abril de 2005. p. 17

 

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