O Cantar os Reis

O Cantar os Reis

01/02/2000 0 Por hernani

Catém – Meca – Casal Monteiro

O Cantar os Reis

 

CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER

Dois reiseiros-pintores do grupo de reiseiros do Casal Monteiro (Meca)

No concelho de Alenquer o “Cantar dos Reis”, tradição ancestral do nosso povo, vai perdendo expressão a cada ano que passa, apesar de ainda existirem algumas pessoas que, agarradas à tradição, vão mantendo viva a chama deste ritual profano-religioso. Conhecida como “CANTAR DOS REIS” ela é uma manifestação etnográfica do ciclo natalício e invoca nos seus cantos o nascimento de Jesus e a chegada a Belém dos reis magos, Belchior, Baltazar e Gaspar.
Estes grupos divergem de local para local. Não usam trajes característicos nem carregam qualquer bandeira e formam-se no próprio dia, não precisando de ensaiar pois todos sabem o que têm a fazer. Tomam parte ó homens e há sempre uma voz destacável que murmura o “segredo” junta à fechadura (hoje basta aproximarem-se das portas) e logo os outros terminam em coro. É tradição as mulheres não aparecerem nas ruas e as casas estarem às escuras.

CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER (Meca)
“Era ao anoitecer daquele dia moroso de Reis e já se ouviam, subindo a rua, os ranchos dos reiseiros. Agora ali paravam eles à porta do senhor Daniel…”
(Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino Deus).

“Era ao anoitecer daquele dia moroso de Reis e já se ouviam, subindo a rua, os ranchos dos reiseiros. Agora ali paravam eles à porta do senhor Daniel…”
(Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino Deus).Os Cantadores dos Reis, como são conhecidos, percorrem as ruas e param junto às casas dos residentes, a “reclamar a parte de Deus”, numa peregrinação que se estende até o sol raiar. É tradição os moradores abrirem a porta e recebê-los oferecendo-lhes de beber e comer e, nos dias de hoje, ainda é possível encontrar “Cantadores dos Reis” nalgumas aldeias do nosso concelho, sendo sem dúvida as mais tradicionais, as de Meca, Casal Monteiro e Catém, com algumas diferenças entre si.
Talvez em nenhuma outra manifestação o religioso e o profano se tenham enquadrado com tão grande harmonia. É bem possível que esta união seja responsável pela resistência à erosão do tempo.

Não precisamente como nos relata Aquilino Ribeiro, foi a nossa Noite de Reis iniciada precisamente por Meca, na noite clara mas fria de 5 de Janeiro. Era cerca da 1 da manhã, quando apressados tentávamos chegar a Catém, receosos de que o nosso atraso fosse fatal para o objectivo reportagem, e sentimos que, saindo da escuridão, um grupo de homens se colocara na berma da estrada, a fazer-nos sinal para nos mantermos silenciosos.

CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER
Catem (Alenquer)

Era a “sociedade do Casal Monteiro” que como tradição se aproximava de Meca a cantar junto às residências do lugar e como sempre, estes elementos tinham acabado de se juntar à “sociedade de Meca”, formando um único agrupamento subdividido em dois pequenos grupos: um com os pintores-reiseiros, munidos de pincel e tinta, que iam pintando os símbolos de “bons-reis” nas casas seleccionadas, o outro grupo, de maior dimensão seguia um pouco atrás, cantando junto de cada casa, acabada de ser sinalizada.
Segundo nos disse um elemento-reiseiro a festa terminaria no domingo seguinte com o “peditório das almas”, para pagar uma missa dedicada aos falecidos das áreas em que se cantava.
Lá deixámos as “sociedades” de Meca e Casal Monteiro na sua rota de sortilégio e subimos até Catém, onde era só silêncio. Lá descortinamos um ancião que solícito se aproximou ao verificar a nossa indecisão e nos informou que os cantadores deveriam estar a chegar. E assim aconteceu. Passados cerca de 20 minutos, lá apareceu um pequeno grupo que se aproximou de uma residência e, somente iluminado por dois “petromaxes”, começou a pintar um coração a azul. Questionados informaram-nos que o azul era cor de luto pois alguém tinha falecido naquela família e que geralmente respeitavam um prazo de luto, pois só pintavam passados três a quatro anos depois do falecimento desse familiar.


De seguida acompanhamos os reiseiros-cantadores na sua liturgia junto duma residência da família “Póvoa”. Depois do cantar ritual lá se abriu a porta e alguns reiseiros entraram. Pelos amáveis donos da casa fomos convidados também a fazê-lo, e aceitamos de bom grado.
D. Noémia Póvoa, a anfitriã, disse-nos que, juntamente com o Natal, era dos dias mais bonitos do ano. A Noite dos Reis era a noite mais importante para ela, e que participava nesta tradição já há 18 anos, abrindo sempre a porta para os reiseiros comerem e beberem.

Já passava das três horas da manhã quando regressamos à redacção do jornal, tendo assim acompanhado as “sociedades” de Meca, Casal Monteiro e Catém e ficado a conhecer melhor esta tradição muito peculiar, que teima em resistir à erosão do tempo.

CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER Grupo de reiseiros-cantadores do grupo de Catém (Meca)

O CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER
Grupo de reiseiros-cantadores do grupo de Catém (Meca)

I – Guiados por uma estrela
Três reis partem por mar fora
Visitar o Deus nascido
Está no céu e a terra adora

II – Embarcaram na nau
Sem perder tempo, nem hora
Quando chegaram a Belém
De admirados saíram fora

III – Boas Festas vimos dar
Nas vindas dos Santos Reis
Também temos o cuidado
De aceitar o que nos deis.



O CANTAR OS REIS NO CONCELHO DE ALENQUER
O repórter, que no caso sou eu, a registar a liturgia




Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2000)

Director do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer, 1 de Fevereiro de 2000, p. 8

 

Fotografia: Pedro Pires

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