Entrevista a… João Mário: Vive para a arte e para a cultura

Entrevista a… João Mário: Vive para a arte e para a cultura

16/07/2014 0 Por hernani

 

Vive para a Arte e para a Cultura

Entrevista a… João Mário

 

“O acontecimento que marcou mais decisivamente a minha vida, de homem e de artista, foi ter conhecido uma pessoa chamada Álvaro Duarte de Almeida. Foi um homem que me influenciou extraordinariamente na minha maneira de ser, não só na vertente artística. Ele influenciou a minha personalidade, a minha maneira de ser, a minha maneira de estar na vida. Ele foi um Apóstolo que segui como se segue um Mestre. Seguiu-o em tudo na minha vida. Foi, em certa medida, um exemplo para mim”

 

Entrevista a João Mário – O Pintor contempla o Mestre

João Mário por João Mário. E no entanto, nesta cumplicidade, uma terceira pessoa, o entrevistador. Que não estende só o gravador, fingindo que o monólogo é diálogo, fazendo sim, mais o transporte, sempre hipotético e, talvez, tendencioso, das interrogações públicas. Nenhuma entrevista é igual a uma outra, porque nenhum entrevistado é igual a si próprio e uma entrevista com João Mário é uma conversa que necessita de ser lida em diversas direcções: as direcções que estão e as que não estão nas perguntas. O entrevistador é um espectador atento, que diz, calmamente, o que pretende para, compreensivamente, ouvir e dar a ler, o que o Mestre quis dizer.

João Mário não se deixou atrair pelo moderno, mantendo a sua pintura, um estilo “realista” clássico-romântico, de índole contemplativa, completamente fora de todas as modas, e que recebe, diariamente, elogios dos críticos especializados. Como estes dizem, João Mário “é um pintor que abriu a sua alma e deixou que esta resolvesse os problemas da sua pintura. Pelo esforço próprio, acha-se a par dos artistas consagrados e está na Galeria dos pintores de eleição”.

É costume dizer-se que “a memória dos homens é curta”. A minha nem tanto, por isso, para mim, João Mário é, também, o homem que eu vi, algumas vezes acompanhado pelo Mestre Duarte de Almeida, outras vezes só, com a paleta e pincéis às costas, pelo “alto moinho” e por outros sítios à procura da melhor paisagem, “vinculado por temperamento e escola, à pintura do ar livre que Silva Porto tratou com poética visualidade e sensibilidade”; que eu vi, com o seu rápido e brilhante Alfa Romeu, ganhar quase todas as gincanas e provas de perícia, ziguezagueando no Largo Rainha Santa Isabel e no extinto campo de futebol do Sporting, no local hoje ocupado pelo edifício do Tribunal; por quem o comércio de Alenquer encerrou as portas para assistir à sua tomada de posse como presidente da Câmara; que abriu um inquérito público para identificar as necessidades das populações; que construiu o primeiro sistema de saneamento básico, ao tirar os esgotos de Alenquer que, até aí, iam parar ao Rio; que construiu as primeiras escolas primárias, do ensino preparatório e o primeiro liceu; que iniciou a electrificação de todo o concelho; que enfrentou as consequências das terríveis inundações de 1967.

João Mário é, também, o homem que, em 1971, foi homenageado por uma comissão, promovida por diversas colectividades e forças vivas do concelho, onde estavam incluídos, entre outros, Engº. Francisco Goes du Bocage, Adriano Graça, Prof. António Oliveira Melo, Álvaro Costa e Silva e Álvaro Pedro, seu sucessor na presidência da Câmara de Alenquer.

João Mário é, certamente, o homem que se, hoje, quisesse candidatar à Câmara de Alenquer, iria deixar muita gente admirada: a maioria, satisfeitos e felizes; outros, de olhos esbugalhados, interrogando-se “como é isto possível?”

Entrevista a João Mário – O Pintor entre Malhoa e Silva Porto

Considera-se um génio? Bem pelo contrário, a única coisa que sei é que pouco sei. Estou sempre a aprender. E até aprendo com aqueles de que tenho alguma consciência que sabem menos do que eu. Aprendi muito a ver exposições, aprendi muito nas Belas-Artes e muito com o Mestre Duarte d’Almeida. Aprendi muito a ver exposições dos outros que sabem mais do que eu. Aprendi também com o decorrer dos anos, afinal como acontece com todas as profissões.

Como começa a pintar um quadro? Como escolhe os motivos para serem pintados? Chego a demorar anos e anos a idealizar um quadro. Faço apontamentos e riscos e vou lá várias vezes, “daqui é melhor”, “dali é muito melhor”. Eu nunca repito um quadro, mas posso repetir o mesmo “assunto”. O Cézanne pintou o Monte de Santa Vitória uma série de vezes. Pinta-se um quadro “parecido” porque, ao mesmo nível do primeiro, já nunca mais vai ficar, porque o primeiro é o tal que nós escolhemos, que demoramos meses, e às vezes anos, a escolher o melhor ângulo e o melhor sítio e depois é só pintar. Como dizia Lázaro Lozano, “quando pintamos emprestamos a mão a outro”.

Os seus quadros representam algo do seu íntimo? Sim, de certeza. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa extrovertida e que os meus quadros reflectem alegria e gosto pela vida, que é realmente aquilo que eu sinto. Quando, há cerca de quatro anos, tive uma fase difícil de saúde – até deixei de pintar -, um dia tive que pintar um quadro, e algumas pessoas duvidaram que fosse pintado por mim, pois o quadro tinha umas cores negras e feias. Aquele quadro foi pintado numa altura que eu via a vida de uma outra maneira. Portanto, acho que as pinturas reflectem o que vai na alma de cada um.

Quais das suas obras são as grandes etapas da sua carreira? Nunca pensei nisso, mas tenho quadros de que gosto muito, como por exemplo os que estão no Museu. Esses não os dispensaria por nada. Mas também gosto muito daquele quadro que ofereci à Biblioteca de Alenquer (cinco painéis).

Quando é que dá uma obra por finalizada? A obra para mim nunca está acabada. Até quando estou a pintar e “acabo” um quadro, a minha mulher vira-o ao contrário para eu não voltar lá, senão estou sempre a retocar. Quando vou às conferências, à Biblioteca, e estou “ali” uma hora a olhar para esse painéis, encontro sempre motivo para emendas, e já o fiz não sei quantas vezes. No outro dia vou lá com a “caixa” e faço o respectivo trabalho.

Qual o quadro mais bem remunerado? É um quadro de Lisboa, vendido há pouco tempo, por mais de dois mil contos. Mas, para mim, os quadros mais valiosos, não tem muito a ver com a sua dimensão, tem sim a ver com outros factores. Por exemplo, tenho um quadro que não venderei por dinheiro nenhum. Quando o pintei, a minha mulher estava ao meu lado e os meus filhos ali a brincar, a mexer na caixa das tintas, a espremerem as bisnagas e a sujarem-se. São outros valores que nada tem a ver com a arte, mas que nos dão uma carga afectiva e emocional. Não venderia esses quadros por dinheiro nenhum.

Do pincel à espátula. A que se deve essa mudança? A espátula permite uma melhor sintetização das coisas e a minha meta, como artista, como pintor, é a sintetização. Só pôr o essencial e tirar o supérfluo. Agora o que está na moda, por essa Europa fora, é a pintura hiper-realista, mas eu não sinto tanto essa pintura. Sinto mais a pintura impressionista e a espátula adapta-se melhor a essa técnica.

Porquê o “Figurativo”? É a pintura que sinto. Não sou hermético, pois há coisas modernas que até gosto, mas, na realidade, esta é a pintura que mais me sensibiliza. Como é a que mais sinto, é a que pratico, mas eu também gosto de alguma pintura “não figurativa”, só que não me emociona da mesma forma.

Qual o artista que o influenciou mais, qual é a sua referência? Sem dúvida o Mestre Duarte de Almeida. Se falarmos de um artista internacional, nesse caso, é o Joaquin Sorolla.

Como vê o facto dos maiores pintores portugueses darem preferência ao “vanguardismo”, como o que acontece na Áustria e na Alemanha, por exemplo, e passarem ao lado duma Espanha, do século XVII, de Goya e Velasquez? A verdade é que aqui em Portugal tudo chega um pouco tarde, e depois, até os poderes públicos, vão nessa onda e vão dando algum proteccionismo a esse tipo de arte. Quando lá fora já se está a mudar para “outra”, é que essa moda chega a Portugal. Por toda a Europa do após-guerra as correntes vanguardistas e as pinturas “mais prá frentex” eram a moda do dia, e aqui em Portugal ainda se andava a pintar de forma académica e clássica.

Gosta de ensinar? Não faço o menor segredo dos meus “rodriguinhos”, mas não tenho tempo para ensinar e, portanto, não me dedico a isso, mas gosto de transmitir aos outros aquilo que eu sei.

Qual é o “estado de alma” quando está a ensinar um discípulo “pouco dotado” e que prevê sem futuro? Não gosto, nada mesmo, de desmoralizar as pessoas, de lhes cortar as pernas, e dou sempre uma palavra de estímulo. Nestes casos digo muitas vezes que “tens um caminho longo para andar, é assim que se começa”. Naqueles que prevejo algum futuro digo “Você, por amor de Deus, não deixe de ser pintor, dedique-se inteiramente à pintura, você vai longe…”.

Quer mencionar o nome de algum discípulo seu a quem tenha previsto grande futuro? Com certeza. Uma rapariga do Camarnal, que não tem, agora, pintado, chamada Teresa Lopes. Veio para aqui praticamente sem saber nada e saiu daqui a fazer exposições. Uma pintora espectacular. Chegou a expor, inclusivamente, em Lisboa, e com o maior sucesso, até de vendas.

Pensa que já fez “escola”? Houve aí um pintor, que por “encantamento pela minha pintura” e devido ao seu génio extraordinário, os seus quadros eram parecidos aos meus, mas aquilo não era o seu sentir, pois fazia-o mais por devoção, estava a tentar fazer uma pintura igual à do João Mário, porque o João Mário era o seu ídolo. Hoje, que tem outro saber e outro traquejo, pinta descontraidamente e já não tem minimamente nada a ver comigo. Portanto, não fiz escola.

É uma pessoa sensível ao “património histórico” de Alenquer. Alguma vez sentiu vontade de querer intervir para melhorar alguma coisa que pensasse estar mal? Constantemente. É uma coisa doentia. Sou um apaixonado por Alenquer, e foi isso que me levou a presidente da Câmara, contrariando a vontade da minha família.

Fale-me da vertente urbano-paisagista da vila de Alenquer. Estou em total desacordo com a situação actual. Aqui, a nível local, não se cuida da construção particular e isso faz-me muita pena, porque isso degrada o nosso património. E particularmente a construção particular que não está muito cuidada. A continuarmos assim, corre-se o risco de deixarmos de ser o “Presépio de Portugal”.

Quer falar dum programa de cores, por si criado, também, em 1969, para os prédios da vila de Alenquer? Dantes havia um organismo que era a Comissão Municipal de Arte e Arqueologia, extinta com o 25 de Abril, que não tinha poderes deliberativos, mas tinha poderes consultivos. Fiz um programa de cores em que as casas, tanto de um lado como do outro do rio, tinham de ser pintadas de branco, com barras azuis ou amarelas. Havia uma planta de Alenquer pontilhada, onde aquela zona era protegida, e que foi aprovado pelo Conselho Municipal, o que hoje corresponde à Assembleia Municipal. Não se podia pintar da cor que se quisesse; não se podia colocar terraços no lugar dos telhados, etc. Estava perfeitamente preservado. Na margem do rio, para o lado de Triana, já não era tão rígido, porque se considerou que do outro lado era a zona histórica e nem pensar em mudar alguma coisa que não estivesse previsto.

Fale-me do “espelho-de-água” navegável, por si criado, no Rio de Alenquer, em 1967. Primeiro tiraram-se os esgotos, possíveis, do rio e fez-se uma represa, criando um espelho de água em toda a Vila. Compraram-se barcos, em Cascais, e o produto do seu aluguer foi para a Comissão de Assistência a pessoas mais necessitadas. Havia uma animação enorme e, até à noite, era costume haver pares de namorados a percorrerem o rio, o que dava um certo romantismo à Vila.

Qual foi a sua intervenção no Monumental Presépio de Natal, em 1968? A ideia não foi minha, mas sim de D. José de Siqueira, que era vereador na altura. Aproveitando a onda de unidade e solidariedade entre as pessoas, por causa das inundações de 1967, e dentro dessa linha, D. José de Siqueira deu a ideia de se fazer um presépio. Eu disse que com aquele pandemónio do rescaldo das cheias não tinha tempo para me dedicar ao presépio e então convidámos o Mestre Duarte de Almeida, que aceitou só fazer a maquete. Esse trabalho (12.000$00), foi pago fora do orçamento camarário, pois foi feita uma colecta por todos os vereadores. Então, na Igreja do Espirito Santo, na altura, fora do culto, o Mateus, carpinteiro da Câmara, cortou as figuras; eu, ajudado por mais algumas pessoas, como o filho do Mestre de Almeida e o Manuel Candeias, pintámo-las e o Mestre de Almeida veio cá fazer as caras e as mãos.

O que foi o “inquérito público” que mandou instaurar? Do inquérito, com questões antecipadamente estudadas com os responsáveis de cada freguesia, recebemos milhares de papeis. Eu e o António Silva, da Labrugeira, que era o vice-presidente, compilámos aquilo tudo e depois tentamos cumprir com o que o povo queria. Ainda recordo que das medidas respondidas, algumas megalómanas, mas, sem dúvida, eram as estradas a maior preocupação das populações, pois quando cheguei à Câmara só havia cinco ou seis quilómetros de estradas alcatroadas. Porque estava a fazer aquilo que as pessoas queriam, isso criou uma auréola em redor da Câmara. O inconveniente que existia, na altura, era que, em lugar dos cinco milhões de contos que actualmente existem para orçamento municipal, o meu orçamento era de 6.507.102$00 e que, aumentando progressivamente, chegou, em 1974, a 12.042.178$60.

Crê que a juventude tem, em termos culturais, consciência dos valores profundamente alenquerenses? Penso que sim, embora ande um pouco distraída. É natural, é universal. No tempo em que éramos jovens, o nosso procedimento era idêntico.

É notória, ao longo destes últimos anos, uma aproximação sua ao executivo camarário. Essa proximidade e esse diálogo são, de algum modo, compensadores? Não escondo, é público e notório, que tenho apreço pelo Luís Rema. Hoje, o que me interessa mais, e quase que vivo para isso, é viver para o espírito, para a arte e para a cultura, e realmente, até à entrada do Luís Rema, não tinha encontrado no elenco camarário alguém que me convencesse e ele, realmente, conquistou-me, porque é um indivíduo que dinamizou o concelho, que criou, até nalgumas pessoas que viviam um pouco arredadas das coisas da cultura, o gosto para assistir às conferências e às exposições, e eu tenho apreço por ele e depois vejo que ele também não é contrariado pelo restante executivo camarário. Isto não significa minimamente que eu esteja ao lado, ou mesmo próximo, desse executivo. Toda a gente sabe que sou tão socialista como chinês, mas na vertente cultural e com um vereador como o Luís Rema, a Câmara poderá contar com a minha colaboração a cem por cento.

Quer definir-se, politicamente? Nunca escondi, de ninguém, que sou de Direita e filosoficamente me auto-classifico um convicto Democrata-Cristão. Porém, na nossa actual área partidária, as coisas já se me não apresentam tão claras assim. Na verdade, e isto poderá chocar muita gente, eu penso que nenhuma força partidária tem, na mão, a inteira verdade. Em matéria de soluções pontuais e fora de um contexto doutrinário, eu tanto chego a estar de acordo com o CDS-PP, como por vezes com PPD-PSD ou com PS, ou até, pasme-se, com o PCP. Poderá pensar-se que foi uma forma hábil de responder a esta pergunta a fim de me apresentar de bem com todo o mundo. Esta é, todavia, a verdade. Se por hipótese surrealista e absurda, eu me candidatasse a qualquer lugar público, seria sempre como independente.

Sendo a figura cultural que é, como analisa a circunstância de a maioria dos intelectuais de que se rodeia, em Alenquer, terem, neste momento, uma opção política tão diferente da sua? Tem razão nisso. Inclusivamente com os meus queridos amigos Guapo e Roldão. Mas eu acho que quando há tolerância, compreensão e educação, e não estou a referir-me só a mim, mas sim a cada um de nós, tudo se entende e há sempre pontos comuns.

Que acontecimento marcou mais decisivamente a sua vida de homem e de artista, se isso é separável? Não tenho dúvidas, foi ter conhecido uma pessoa chamada Álvaro Duarte de Almeida. Foi um homem que me influenciou extraordinariamente na minha maneira de ser, não só na vertente artística. Ele influenciou a minha personalidade, a minha maneira de ser, a minha maneira de estar na vida. Ele foi um Apóstolo que segui como se segue um Mestre. Seguiu-o em tudo na minha vida. Foi, em certa medida, um exemplo para mim.

JOÃO MÁRIO RESPONDE:

Entrevista a João Mário
O Pintor e o seu auto-retrato

Gilberto Gírio – Pintor (Canadá)
Para um maior equilíbrio, no domínio da Pintura e de outras correntes a ela ligadas, deixa-me que te pergunte: porque não abrir, também, simultaneamente, as portas à Arte Moderna? Isto é, uma vez, dada a grandiosidade, a imponência da “Bienal de Pintura de Alenquer”, que por isso só é projectada por várias salas e edifícios, da nossa Vila, parece-me, daqui, ser possível o convívio, a aproximação de outros domínios, de outras formas e de outras correntes das Artes, em geral. Como já disse anteriormente, eu não sou sectário, mas é por pensar que essa linha tem a divulgação “quanto baste”, em todos os órgãos de informação, que a Bienal de Alenquer surgiu, exactamente como reacção a esse proteccionismo exagerado e exacerbado que realmente os poderes oficiais e oficiosos lhe confere. Então e os outros, os que não pertencem a essa linha, não fazem nada, não tem mérito? É por isso que aqui estamos. Este certame é para apresentação dos artistas figurativos que não sendo aceites nas múltiplas organizações e bienais de pintura moderna, não têm outra hipótese de aparecer.

José Núncio – Escultor (Carcavelos)
Considerando o que se passa na Península Ibérica e nas respectivas projecções no Figurativo em Portugal e Espanha, o que é que acha que deveria ser feito, na política cultural, para esbater o fosso que actualmente existe, se considera que realmente existe esse fosso? Sobre o aspecto “plástico”, acabou-se o mito de Itália, da França, etc., e quem manda é a Espanha. É em Espanha onde estão os melhores pintores do Mundo. Porquê? Porque tem uma educação que nós não temos. Para diminuir esse fosso basta “copiarmos” o que fazem os espanhóis em matéria de educação artística / pictórica.

Arq. Pedro Rodrigues – Director Artístico da Galeria Euroarte (Lisboa)
Pensando simultaneamente nos seus tempos de início de carreira e na quantidade quase infindável de gente que começou a pintar recentemente e que pretende atingir de imediato o estrelato, pedia-lhe que comentasse esta “prece”: Senhor dai-me paciência. Tem de ser é já. Há muitos artistas que enfermam do mal de pretender o êxito imediato. Eu fiz a minha primeira exposição colectiva quatro anos depois de ter começado a pintar e a minha primeira individual só aconteceu ao fim de doze anos! Agora, porque a vida corre muito mais rapidamente, começam a pintar e desejam logo o estrelato. Penso que esta é uma das razões porque há muitos praticantes de pintura de correntes mais modernas, pois não precisa de estudo tão aprofundado. Certamente é mais fácil agarrar-se numa tesoura e papel, recortá-los e colá-los do que estudar figura, estudar anatomia, ter aulas especificas, a que uma pintura mais académica obriga, e que necessariamente necessitaria de mais tempo e paciência, até se chegar a um estádio capaz de apresentar em público, com alguma qualidade.

António Passão – Fadista Pintor (Penedos de Alenquer)
Gostaria que comentasse o seguinte pensamento de Fernando Pessoa: “A grande Arte entristece-nos, já porque, nem ela sendo perfeita, é o sinal maior da imperfeição que somos”. Como é sabido, ler Fernando Pessoa é quase como ler a Bíblia: cada qual interpreta da sua maneira e por muitas e muitas que sejam as “leituras” elas nunca se esgotam. Eu próprio, ao ler este pensamento dou-lhe três ou quatro entendimentos. Contudo, aquele que me parece mais evidente é a convicção do Fernando Pessoa, de que o Homem não será capaz de atingir a perfeição na arte, até porque já o próprio homem é imperfeito.

Rui Pinheiro – Pintor (Buraca)
Para além de ser o grande pintor que é, como é que ele consegue ser o homem tão excepcional, tão humano e tão querido de todos? Não sei se tenho a resposta certa para esta pergunta, porque eu não me sei avaliar a mim próprio. Talvez seja uma questão de educação. Minha mãe foi uma pessoa extraordinariamente humana e tolerante. Não sei mas, realmente, não vejo em mim tantos predicados.

Morano – Pintor (Espanha)
Já tinha ouvido falar do Museu João Mário, mas, quando o visitei, fiquei impressionado pela dimensão, não só em termos de quantidade mas, principalmente, em termos de qualidade do mesmo. Não tendo notícia de algo parecido em Espanha. A pergunta que eu gostaria de colocar era a seguinte: o que é que mais o motivou a realizar uma obra com aquela dimensão, que constitui um património tão valioso para as gentes actuais e vindouras, não só de Alenquer, mas de todo o país. Eu tinha uma colecção muito grande de quadros, cerca de quatrocentas obras, mas não tinha casa para ter tanto quadro pendurado, pois vivo num andar, e era um imenso desgosto para mim e para os meus, a maior parte dos quadros estarem embrulhados, tal como os tinha adquirido ou os tinham oferecido, e nem sequer eu gozava deles. Pensei fazer uma casinha, no meu quintal, só para ter alguns quadros, mas coloquei a pergunta: e qual serão os melhores? Os melhores para mim não serão, obviamente, os melhores para as outras pessoas, e vice-versa, e então resolvi fazer, para mim, para os meus familiares e para os meus amigos um local, sem acesso à rua, onde os quadros estivessem expostos. Depois de estar quase feito pensei que “isto não é justo nem moral, mas uma forma de egoísmo. Porque não abrir isto ao público?” Então devassei um pouco mais o meu quintal, abri uma porta para a rua, e então abri o museu, uma vez por mês, para divulgação da “minha dama” (utilizando a terminologia quixotesca), que é a minha pintura figurativa / naturalista. Foi esta a razão que eu abri o museu, sem subsídios de ninguém, nem particular, nem da autarquia.

PERFIL:
João Mário Ayres de Oliveira, alenquerense de sempre, nasceu em 1932, e como costuma dizer, a mãe foi a Lisboa, só para ele nascer. Desde muito cedo sentiu vocação pelas artes plásticas e, por volta de 1950, resolve dedicar-se exclusivamente à pintura, tendo passado a frequentar os cursos de pintura e desenho da sociedade Nacional de Belas-Artes, sob a orientação dos Mestres Albertino Guimarães e Domingos Rebelo. Terminado este curso, passou a receber lições de pintura do artista Álvaro Duarte de Almeida. Em 1962 realiza a sua 1ª exposição individual, a qual assinalaria o início de uma carreira repleta de êxitos. É membro de um grupo de artistas Portugueses – G. A. P. Em 18 de Outubro de 1992 inaugurou o seu Museu em Alenquer.

Expôs pela primeira vez em Lisboa, no Salão Primavera da Sociedade Nacional de Belas-Artes. Em 1954, tendo todos os quadros expostos sido adquiridos por um importante coleccionador inglês. Está representado em vários Museus Regionais, Juntas de Turismo, diversas Câmaras e várias colecções particulares, nacionais e estrangeiras, nomeadamente: Brasil, Angola, Espanha, Venezuela, Japão, Alemanha, E. U. América, Inglaterra, Porto Rico, França, Holanda, Áustria, Suíça, Canadá, Argentina, África, do Sul, Austrália e Suécia.

A Câmara Municipal de Alenquer atribuiu o seu nome a uma das Ruas dos Casais Novos.

EXPOSIÇÕES:
49 Individuais
147 colectivas

PRÉMIOS:
1958 – Menção Honrosa da Sociedade Nacional de Belas-Artes
1959 – Prémio Abidis Hotel de Santarém – 1ª Exposição da Casa do Ribatejo
1960 – 1º. Prémio da Pintura a Óleo – 2ª Exposição da Casa do Ribatejo
1961 – Medalha de Prata em Pintura- 3ª Exposição da Casa do Ribatejo
1962 – Prémio pecuniário – 4ª Exposição da Casa do Ribatejo
1966 – Medalha de Honra em Ouro- 5ª Exposição da Casa do Ribatejo
1967 – Medalha Cidade de Abrantes- 6ª Exposição da Casa do Ribatejo
1970 – Prémio Governo Civil de Lisboa- 7ª Exposição da Casa do Ribatejo
1971 – Prémio comp. Seg. Império- 8ª Exposição da Casa do Ribatejo
1972 – Prémio Câm. Mun. Santarém- 9ª Exposição da Casa do Ribatejo
1973 – 2º Prémio de Pintura a Óleo – B. Int. Português Escola Ferreira Borges
1979 – Prémio Câm. Mun. De Alenquer- 10ª Exposição da Casa do Ribatejo
1979 – 1º Prémio da Secretaria de Estado da Cultura- Escola Ferreira Borges
1980 – Prémio da Escola Ferreira Borges
1980 – Prémio Olisiponense – Grupo de Amigos de Lisboa
1981 – Prémio de Honra “Crítico de Arte Prof. Reynaldo Santos”- 11ª Exposição da Casa do ribatejo
1981 – Menção Honrosa da Câm. Mun. Lisboa- Grupo de Amigos de Lisboa
1981 – Prémio Galaria Capitel – Escola Ferreira Borges
1982 – 1º Prémio Bayer- Escola Ferreira Borges
1893 – Medalha de Prata- 12ª Exposição da Casa do Ribatejo
1983 – Medalha – Escola Ferreira Borges
1984 – 2º Prémio – 13ª Exposição da Casa do Ribatejo
1984 – Prémio Banco Espirito Santo & Comercial de Lisboa- Escola Ferreira Borges.
1985 – Prémio de Honra “Pintor Rosa Mendes”- Escola Ferreira Borges
1987 – 1º Prémio Pintura “Readers Digest” – Escola Ferreira Borges
1988 – 1º Prémio de Pintura “wide Blenders e Bottlers”
1989 – Menção Honrosa no Concurso “ A Vinha e o Vinho na Pintura”
1989 – S. N. B. A .
1989 – Prémio Galaria de Arte Capitel – Escola Ferreira Borges
1993 – 1º Prémio em Pintura – 2º salão de Motivos Ribatejanos- Câmara Municipal de Salvaterra de Magos
2001 – 2º. Prémio em Pintura – Salão Motivos Ribatejanos – Casa do Ribatejo

ACTIVIDADE MUNICIPAL:
1952 – Colabora com o Município de Alenquer na preparação das festas e solenidade quando da visita de Nossa senhora de Fátima ao concelho .
1956 – É convidado pelo Município a colaborar na arquitectura da representação do concelho de Alenquer no cortejo de Actividades das festas de Outubro de Lisboa; Colabora na organização de algumas festas e feiras; Organiza várias exposições de Arte, conferências e palestras com o patrocínio do Município.
1963 – É eleito Vereador Municipal e toma posse em Janeiro de 1964. (3 anos).
1967 – É nomeado Presidente da Câmara Municipal a 21 de Abril; Abre um inquérito público afim de avaliar quais as necessidades mais urgentes e desejadas pela população do concelho; Constrói de imediato uma represa no rio criando, dentro da parte urbana da vila um espelho de água navegável a pequenas embarcações de recreio dando à vila ar fresco e romântico dos velhos tempos.
1968 – Colabora activamente na feitoria do monumental Presépio de Natal que ainda Hoje é motivo de orgulho da Vila de Alenquer.
1969 – Constrói o complexo das escolas primarias de Alenquer; Cria um regulamento de Cores para os Prémios urbanos da Vila a fim de preservar o panorama paisagístico e não degradar as zonas históricas de Alenquer; Revitaliza a actividade da comissão Municipal de arte e arqueologia a que preside, especialmente no tocante aos pareceres. Relativos à estética arquitetónica das novas construções; Inicia o gigantesco plano da total electrificação de todo o concelho e bem assim dá igualmente início ao revestimento betumoso das estradas Municipais, então todas em macadame; Constrói ou reconstroi todas as pontes destruídas pelas inundações; Constrói várias escolas primarias em todo o concelho; Constrói em todo o concelho dois bairros habitacionais onde aloja todas as famílias que ficaram sem lar quando das inundações.
1971 – Cria o CAT (Centro de Alegria no Trabalho) contribuindo assim para um suplementar apoio social aos funcionários Municipais; A 21 de Abril e a propósito do final do seu 1º mandato de quatro anos é homenageado publicamente por iniciativa das várias forças vivas do concelho (associações desportivas e culturais, Misericórdias, bandas de música, ranchos folclóricos, juntas de freguesia, cooperativas, casas do povo, etc.); Recusa dois convites que lhe são dirigidos para assumir honrosas funções públicas porque nunca teve outro objectivo que não fora de servir o seu concelho.
1973 – Cria o ensino oficial em Alenquer (ciclo preparatório) ainda em edifícios provisórios.
1974 – Consegue a criação de um liceu polivalente já em instalações definitivas e a expensas do Estado.

CURIOSIDADES:
Acredita na Europa unificada? Inteiramente.
Vê na recente crise no Afeganistão uma guerra cristandade-islamismo? Não. Sinceramente julgo que aquilo que a motivou foi o combate ao terrorismo.
A última guerra mundial que peso tem, ainda, na sua memória? Especialmente o peso da necessidade da economia. Recordo o racionamento dos produtos elementares e dos combustíveis, que só permitiam o tráfego automóvel dois dias por semana. Recordo também, como única nota positiva, o facto de Portugal não ter entrado no conflito.
Cor – Azul
Clube – Sporting
Carro preferido – Porshe
Figura + Jesus Cristo
Figura – Possivelmente não haverá. Todos tem o seu lado positivo.
Maior virtude do Homem – Modéstia
Maior defeito – Vaidade
Escritor português ainda vivo – Alçada Baptista
Livro mais lido – Bíblia
Pintor português preferido – Silva Porto, José Malhoa, Columbano.
O que gostaria de ser se não fosse pintor? Pintor
O governante que mais defendeu a cultura- Não estou à altura de tal avaliação. A pintura figurativa/naturalista nenhum a defendeu.
Pedro Santana Lopes – Um lutador de mérito
Paulo Portas – O melhor parlamentar
O actual ministro da cultura – Quem é?
Filme – O Carteiro, de Pablo Neruda
Estação do Ano – Primavera
O Melhor país para trabalhar – O prazer de trabalhar não depende do país. Depende da vontade de cada um.
O Melhor País para Férias – Portugal
Família – O que mais amo na vida.
Medo – Tenho algum. Especialmente do mundo em que as minhas netas vão viver.
Maior desejo – Morrer depois de concluir tudo o que desejo ainda fazer.
Desejo – Que os homens se entendam e construam um mundo feliz.
Maior disparate após o 25 de Abril – Foram tantos que só se o Jornal D’Alenquer fizer uma edição especial os poderei descrever todos.
Sabe cozinhar? – Não
Prato – Coelho `s caçador
Bebida – Água
Desporto – Automóvel

ACTIVIDADE DESPORTIVA
1952/1960 – Organizou várias provas desportivas de automobilismo em Alenquer.
– Participou em 113 provas de automobilismo desportivo tendo-se classificado em primeiro lugar em 54 provas e em segundo lugar em 12.
1958 – Foi membro directivo do I critério de Gincanas da Zona Centro do Pais.
– Participou igualmente no I critério de Gincanas da Zona Centro tendo-se classificado em Segundo lugar.

ACTIVIDADE ASSOCIATIVA
1944/1948 – Presidente da Associação Académica de Alenquer.
1950/1959 – Tesoureiro da conferência de são Vicente de Paula do Concelho de Alenquer.
1958/1974 Director do Sporting Clube de Alenquer durante cerca de 16 anos, tendo presidido a sua direcção 9 anos. Foi durante o seu mandato que se adquiriu a sede (17 Agosto 1968) e quatro anos depois (3 Junho 1972) o Secretário de Estado da Cultura e Desporto inaugurava as actuais Instalações da colectividade.
1959/1974 – Membro Fundador e um dos presidentes do Rancho Folclórico de Alenquer.
1963/1974 – Membro / Presidente da Comissão Municipal de Arte Arqueológica.
1967/1971 – Presidente da Comissão Municipal de Assistência
1967/1974 – Presidente da Comissão Venatória Concelhia.
1997/1999 – Tesoureiro e Presidente da Assembleia geral do grupo dos artistas Portugueses .
1967/1969 – Representante de todos os municipios do distrito de Lisboa atingidos pelas inundações 1967.
1978/1995 – Presidente da Assembleia Geral da Santa Casa da Misericórdia de Alenquer.
1979/1993 – Membro da associação de defesa do património do Concelho de Alenquer.
1984/1995 – Presidente da Assembleia Geral da Associação Comercial e Industrial do Concelho de Alenquer

CONDECORAÇÕES:
Medalhas de Mérito (Grau Ouro) – Câmara Municipal de Alenquer – 1993 e 2001

 

 

Hernâni de Lemos Figueiredo

in Jornal D’Alenquer, 1 de Janeiro de 2002, p. 23 a 25

©Hernâni de Lemos Figueiredo (2002)

director do Jornal D’Alenquer

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