Da Velhice (i)

Da Velhice (i)

01/07/2005 0 Por hernani

Um texto de Cícero traduzido por Damião de Goes (I)

“Da Velhice”

Marcus Tullius Cicero

Por sugestão do seu mentor, Erasmo, vai traduzir o ensaio filosófico Da Velhice, de Marco Túlio Cícero. Na realidade o homem de Roterdão, considerava que esta obra do pensador romano tinha “uma inspiração divina”

Em 1523 Damião de Goes com vinte e um anos de idade e ao serviço do Rei D. João III, que o havia nomeado “escrivão da fazenda” na feitoria portuguesa da Flandres, saiu do porto de Lisboa, embarcado na armada de

Pêro Afonso de Aguiar que rumava para os portos do mar do norte a caminho da Flandres.

Começava assim a grande aventura cultural deste alenquerense ilustre que por mais de duas décadas havia de permanecer na Europa do Renascimento, varrida então pelos ventos da Reforma.

Durante os cinco primeiros anos, a sua vida vai decorrer calmamente, envolvido em negócios e actividades da Feitoria, pois não se conhecem deslocações apreciáveis nesta época.

É em 1528, com a ida de Damião de Goes a Inglaterra que se inicia o período das grandes viagens que o vão levar a muitas paragens europeias e ao contacto com muitas pessoas.

Dessa vida movimentada, é ele que nos dá conta, quando escreve: “… servi nas partes da Alemanha, Frandes, Brabante e Holanda em negócios muito importantes onde fui tão quisto e aceite, que me tinhão todos por seu natural.”

Em muitas dessas viagens de negócios ou nalgumas missões diplomáticas, necessitaria o ilustre funcionário régio de D..João III, de ter um razoável domínio do latim, a língua internacional desse tempo.

O Padre Simão Rodrigues de Azevedo, seu acusador no Processo de Inquisição declarou a propósito do cronista: “… é homem avisado e sabe além de latim, alguma coisa de teologia; e sabe a fala francesa e italiana e lhe parece também que saberá o flamengo e o alemão, porque andou muito tempo entre eles”.

Depois dos exaustivos e aprofundados trabalhos do professor Amadeu Torres e da publicação da sua monumental obra Noese e crise na epistolografia goesiana, será ocioso discutir os conhecimentos de Damião de Goes no domínio das humanidades e da língua latina, facto que fora posto em causa por alguns dos seus biógrafos do século passado.

Na verdade admite-se hoje, que o início da formação cultural do nosso cronista terá começado com a sua entrada aos nove anos como pajem no palácio de D. Manuel, onde o seu meio-irmão Frutuoso de Goes já era camareiro.

A Corte do rei Venturoso, que se assumia como um verdadeiro monarca da Renascença, culto e poderoso, era bem o reflexo da fama e do prestígio de um rei que estendia os seus domínios pelos quatro continentes. Aí se cruzavam homens da ciência, cosmógrafos, cartógrafos, eruditos e poetas; também a música e o teatro tinham lugar marcado no dia a dia do palácio da Alcáçova, sede da Corte Manuelina.

A par deste clima cultural, necessariamente motivador para o jovem Goes, sabemos que teve outro tipo de formação; de facto é ele próprio que nos dá essa informação, quando na Crónica do Felicíssimo Rei escreve a propósito de D. Manuel: “Foi tão desejoso da nobreza do Reino ser instituída em letras, que mandou aos seus moços fidalgos e de Câmara, em que para isso haviam mais algum jeito, ouvir em cada dia lição de gramática ao bairro dos escolares de Lisboa, onde estavam os estudos Gerais deste Reino”.

Mas a preparação intelectual do futuro cronista iria continuar.

De facto mais tarde, por volta dos vinte anos, inicia por decisão de D. João III a sua actividade como funcionário régio na Flandres. Damião de Goes fixa residência em Antuérpia; apercebendo-se então da necessidade de melhorar os seus conhecimentos de latim, contacta com um mestre de elevado craveira, o humanista e poeta Cornelius Grapheus seu amigo.

Este erudito, bem à maneira da época, fez em verso latino uma “Pictura”, ou retrato do jovem aluno referindo “ os seus dotes de latinista entusiasta, músico e compositor…”

Dez anos depois, e já possuidor de um razoável domínio da língua de Lácio, Damião de Goes publica (1532) o seu primeiro trabalho de índole histórica: Legatio Magni Indorum…

Em 1533, liberto das suas funções oficiais, vai dedicar-se de novo à sua aprendizagem cultural. Durante quatro anos, e por sugestão do seu amigo Erasmo, procura completar a sua formação humanística frequentando as aulas da Universidade de Pádua, sob a orientação do Mestre Lazzaro Bonamico, “o mais eloquente dos professores”, como diziam os seus contemporâneos.

Segundo parece, Damião de Goes teria preferido por causa da sua idade (31 anos) e do seu estatuto social, contratar professores, tal como havia feito em Antuérpia, para dar continuidade aos seus estudos. Contrariando essa intenção Erasmo aconselha-o a frequentar as aulas junto dos escolares mais novos, escrevendo-lhe: “Na Itália não é desonra, nem mesmo para os velhos, confessar que frequentam cursos. Deves louvar o estudo, para que por sua vez ele te faça honra a ti.”

Cinco anos depois (1538), concluídos os seus estudos de latinidade em Pádua e na posse de um apreciável conhecimento das letras clássicas, vai atrever-se a um importante trabalho de tradução.

De facto, e novamente por sugestão do seu mentor Erasmo, vai traduzir o ensaio filosófico Da Velhice, de Marco Túlio Cícero.

Na realidade o homem de Roterdão considerava que esta obra do pensador romano tinha “uma inspiração divina.”

Também Bonamico, o seu professor de Pádua, afirmava que Cícero era “o modelo incontestado” da literatura latina.

No mesmo ímpeto de tradutor, Damião de Goes vai aprontar também a tradução em vernáculo do Eclesiastes bíblico.

Os dois trabalhos saíram dos prelos venezianos do impressor Stefano Nicolini da Sabbio, em 1538.

Neste jornal já falámos, há tempos, da recente descoberta, numa biblioteca universitária inglesa, de uma edição até então desconhecida deste texto bíblico, traduzido por Damião de Goes.

Gostaríamos agora de tecer algumas considerações sobre o livro Da Velhice, há muito esgotado e agora publicado em edição fac-similada pela Biblioteca Nacional em 2003.

©António Rodrigues Guapo (2005)

Estudioso de História Local

in Jornal D’Alenquer, 1 de Junho de 2005, p. 15

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