Álvaro Cunhal: “Sou o filho adoptivo do proletariado”

Álvaro Cunhal: “Sou o filho adoptivo do proletariado”

01/07/2005 0 Por hernani

“Sou o filho adoptivo do proletariado”

Álvaro Cunhal


Alvaro-CunhalÁlvaro Cunhal, o histórico líder comunista morreu. Iremos debruçar-nos, primeiro, sobre herança político-social que recebeu, segundo, sobre a sua fidelidade ao “processo revolucionário mundial” liderado por Moscovo e, por último, sobre as consequências que a sua morte terá no movimento comunista português.
Sobre a herança político-social, Álvaro Cunhal nasceu no período da “I República”, quando o débil edifício republicano era atormentado por lutas sociais confusas e por constantes revoltas militares, com a agravante duma instabilidade governativa endémica.
Portugal envolvera-se no conflito mundial de 1914/1918, que originou mais desordem social.
Em 1917 apareceu o Partido Centrista Republicano, seguidor da disciplina, da lei e da ordem, muitas vezes à custa da liberdade. A intranquilidade aumentou ainda mais, e o processo resvalou para uma ditadura.
Entretanto a resistência proletária evoluiu para um formato anárquico. Quando em 1919 surgiu a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), cujos objectivos principais eram “a luta pela eliminação do sistema do salário e do patronato, a colectivização dos instrumentos de produção e a eliminação do capitalismo”, já muitos outros grupos organizados tinham surgido, e morrido.
Em 1921 apareceu a Federação Maximalista Portuguesa, com um idealismo misto de bolchevismo, anarquismo e sindicalismo revolucionário, e a sua função foii preparar as bases para a criação dum partido comunista, em Portugal. Cessou em [920, e em 6 de Março de 1921 nascei o Partido Comunista Português, uma iniciativa de ex-anarquistas e ex-sindicalistas revolucionários.
Nesta vaga de anarquismo e de socialismo-libertário, em 1923, em Alenquer, foi constituída a União Anarquista Portuguesa, quando aqui se reuniu a primeira conferência Anarquista de Portugal. Teve por missão organizar a propaganda e a acção libertária no país; extinguiu-se em 1927.
A classe dirigente da “I República” acabou por ficar sitiada entre uma direita reaccionária e uma esquerda revolucionária, e a situação caótica e de ruptura a que conduziu o País resultou na Revolução de 28 de Maio de 1926, com a sequente ditadura militar.
O Estado Novo, que a substituiu, manteve o mesmo autoritarismo, e ao ilegalizar os partidos políticos que se lhe opunham fez vigorar um regime de partido único, a União Nacional.
Os problemas decorrentes da Segunda Guerra Mundial, da expansão dos regimes democráticos, após este conflito, e os relativos ao ex-Ultramar, trouxeram dificuldades acrescidas ao regime fascista que só cessaram como 25 de Abril de 1974.
Foi este o cenário que acompanhou Cunhal, e provavelmente o grande estimulador dele se ter dedicado ao ideal comunista defendendo, sempre, “a via armada para acabar com o fascismo”; em consequência disso, parte da sua vida decorreu nas prisões, na clandestinidade e no exílio.
Sobre a sua fidelidade ao “processo revolucionário mundial” liderado por Moscovo, trazemos aqui apenas duas passagens da sua vida, imensamente preenchida, quando se tornou uma figura influente, e respeitada, junto do Kremlin: uma quando esteva no exílio, a outra já em Portugal, depois de 1974.
A primeira, em 5 de Abril de 1968, quando esteve ao lado dos tanques soviéticos, na evasão da ex-Checoslováquia, que ocasionaram milhares de mortes, e esmagaram a Primavera de Praga, uma experiência comandada por Alexander Dubcek, líder do PC checo, que foi preso, e assim mantido durante 20 anos.
E o que era a “Primavera de Praga”? Imprensa livre, Justiça independente e tolerância religiosa. O movimento representaria o florir da Democracia e significaria para os checos o mesmo que o 25 de Abril de 1974 significou para os portugueses.
A segunda, e conforme palavras de Mário Soares, “Cunhal pensou, seriamente, numa revolução que implantaria em Portugal um regime comunista, da linha estalinista, com a ajuda militar soviética e sob a sua batuta”. Soares estava, com certeza, a referir-se ao “25 de Novembro de 1975”, que não levou o país para um banho de sangue porque, o então presidente da República, Costa Gomes, sitiou Cunhal ao dizer-lhe: “ou os teus homens recuam ou vais colocar o país numa guerra-civil”. E Álvaro Cunha recuou.
Sobre as consequências que a sua morte trará ao movimento comunista português, a curto prazo nada mudará, pois o seu “mito” perdurará ainda por algum tempo, visto ele, como génio politico que era, ter sabido sempre estar do lado certo da história, mesmo que, para isso, tenha inflectido, algumas vezes, o seu discurso: bateu-se contra o fascismo e o fascismo foi derrotado; bateu-se pela conquista dos direitos sociais e eles foram conseguidos; bateu-se pela existência de um movimento organizado de trabalhadores, e os sindicatos são hoje uma força social bem organizada; criticou a China, abraçou-a a seguir; combateu Soares, mais tarde deu-lhe a vitória; bateu-se pela Revolução, quis travá-la e transformá-la numa ditadura estalinista, mas recuou e hoje é tido como um seu herói.
Quanto aos danos a médio e longo prazo, vale a pena citar um texto saído no Expresso: “Apesar da sua absoluta superioridade intelectual, cercou-se de mediocridade; para desdita do PCP, o seu espírito foi maior do que a sua generosidade. Deixa um enorme passado aos comunistas, não lhes deixa grande futuro”.
A terminar, e se nos é permitido, fazemos um paralelo entre Cunhal e Salazar, em três aspectos: ambos foram obstinados e duradouros nas suas convicções filosóficas sobre a organização social dos povos; ambos defenderam o totalitarismo, embora de concepção diferente; ambos não deixaram quaisquer vestígios de riqueza acumulada, apesar de mais de meio século de vida política activa.
Indubitavelmente Cunhal e Salazar foram as duas figuras portuguesas do século XX.

INQUÉRITO:
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Hernâni de Lemos Figueiredo

in Jornal D’Alenquer de 1 de Julho de 2005. p. 3

©Hernâni de Lemos Figueiredo (2005)

Director do Jornal D’Alenquer

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