Qual o futuro da Cooperação para o Desenvolvimento?

Qual o futuro da Cooperação para o Desenvolvimento?

20/02/2019 0 Por hernani

Qual o futuro da Cooperação para o Desenvolvimento?

Foto: https://www.instituto-camoes.pt/activity/o-que-fazemos/cooperacao

Depois da segunda guerra mundial e, com ênfase particular, depois da descolonização nos anos 60 do século passado, começou uma nova intervenção dos países ocidentais, nos países de África, Ásia e América Latina: a ajuda e, mais tarde, a cooperação para o desenvolvimento.

As origens: Depois da segunda guerra mundial e com o apoio dos EUA, com o Plano Marshall, à Europa devastada, mostrou-se o efeito positivo do investimento também fora de fronteiras. A Europa conseguiu recuperar e a economia mundial sob liderança dos EUA começou a florescer. O conceito estendeu-se aos países em desenvolvimento. O termo “desenvolvimento” era emprestado da biologia, e a ideia de economias maduras ou, ainda, “subdesenvolvidas” era aplicado na economia. Falava-se do desenvolvimento recuperador para se chegar ao estado maduro. Para os países recetores da ajuda foi imprescindível ultrapassar a herança do colonialismo, tanto na economia como nas estruturas políticas e sociais. As antigas colónias deixaram para trás o papel de abastecedoras de matéria-prima e produzir elas próprias os bens necessitados pelas suas populações. Mas existia uma agenda oculta: Os países ocidentais começaram, durante a Guerra Fria, a investir no desenvolvimento económico e social dos países do Sul, e os maiores beneficiários foram os países estrategicamente importante para o Ocidente (ex. o Egipto). Em geral, o Ocidente, particularmente os EUA, fizeram tudo para manter a sua influência, estabilizar os países social e economicamente e, assim, evitar que eles passassem para o bloco socialista.

Problemas e mudanças: A cooperação para o desenvolvimento realizou-se nas primeiras décadas, normalmente entre governos (não falando das ONG – Organizações Não-Governamentais – que em parte jogam hoje um papel muito importante, particularmente as fundações de alguns bilionários filantrópicos, como Bill e Melinda Gates) e em projetos com pessoal dos países industrializados. Criaram-se muitas vezes ilhas de desenvolvimento (os chamados “elefantes brancos”) que não tiveram muito impacto para o resto do país. Os objetivos, os meios e métodos não se orientaram às realidades dos respetivos países, mas sim às realidades dos países doadores. Assim, a cooperação continuou muitas vezes em moldes neocoloniais e fez perdurar as estruturas sociais e mentais do tempo colonial. Outro setor era a cooperação financeira que resultou finalmente na ajuda ao orçamento geral dos estados. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) regista as verbas disponibilizadas para a AOD (Assistência Oficial ao Desenvolvimento) e indica um crescimento de 74 biliões USD em 2000 para 144 biliões USD em 2017. Para certos países, esta cooperação teve um grande impacto para o desenvolvimento. Mas na situação global, a cooperação não trouxe os resultados esperados e ficou nos seus efeitos sistematicamente sobrestimada, mesmo naqueles países da África subsaariana que em parte ficavam mesmo dependentes desta cooperação. Observaram-se mesmo alguns efeitos negativos, porque a cooperação levou alguns governos a negligenciar os seus esforços para certos sectores (ex. a saúde e a educação). A orientação nos modelos do desenvolvimento dos países ocidentais resultava na negligência de soluções adequadas para os problemas específicos dos países do Sul. Com a cooperação com os governos aumentou também a legitimação destes governos para com a população, e até hoje, os governos reclamam todas as contribuições da cooperação para eles. Por isso é muito criticada porque os resultados da cooperação ficam em detrimento das forças oposicionistas. A maior crítica é que a maioria das populações não é a verdadeira beneficiária da cooperação, mas sim os governantes e uma camada fina duma classe média emergente na maior parte dos países.

Finalmente, a visão de um desenvolvimento quase biológico para chegar a um estado de maturidade mostrou-se desajustado. É óbvio que também nos países industrializados, nos chamados países desenvolvidos, estamos a acompanhar diariamente a mudanças económicas e sociais; vive-se também nestes países um desenvolvimento. Mas para onde?

A situação de hoje: Os meios financeiros para a AOD crescem devagar, com a UE (e os estados membros da UE) como maiores doadores, os EUA com uma parte estagnante. Nota-se uma maior diversificação (Japão, Austrália, Canadá, alguns países árabes) e outros novos atores (particularmente a China, mas também o Brasil, a Índia e a Turquia que ao mesmo tempo são beneficiários da AOD). Nota-se também uma diversificação nos métodos e instrumentos (para uma vista geral da cooperação para o desenvolvimento ver o artigo de Patrícia Magalhães Ferreira: https://www.instituto-camoes.pt/images/cooperacao/aed_ficha_coop_desenvolv.pdf). Observa-se não só a crítica da cooperação, mas também uma pressão política para a continuação e o aumento da AOD, mencionando entre outras as consequências prejudiciais do colonialismo. Como durante a Guerra Fria, a cooperação para o desenvolvimento serve hoje também para outros fins: o combate ao terrorismo e a migração e a assistência aos refugiados – sem, no entanto, provar a sua efetividade para alcançar estes fins.

Perspetivas: A cooperação a nível internacional continua, seja entre governos (ou entidades multinacionais como a UE), entre organizações da sociedade civil e entre empresas. Existe hoje uma cooperação mais diversificada, também no que diz respeito ao pessoal. O sucesso económico de potências regionais como p. ex. o Brasil, a Coreia do Sul e o México cria outros modelos. Não obstante esta diversificação, os estados doadores continuam com interesses estratégicos, para garantir o acesso a matérias-primas, para abrir e guardar mercados, para combater as causas da migração e fugas. Assunto cada vez mais importante será as alterações climáticas e o apoio aos países particularmente afetados por elas. A competição a nível internacional continua, mas agora numa outra dimensão. Já não é a competição entre dois blocos como entre o Ocidente e o mundo socialista, mas sim o vivemos agora num mundo multipolar. As exigências do Ocidente de ligar a cooperação à boa governação, ao respeito dum estado de direito e ao combate à corrupção, levam certos governos a procurar alternativas. Os governos autoritários são para alguns países do Sul uma opção muito interessante. Estes países, especialmente em África, querem receber apoio, p. ex. da China, sem reconhecerem, no entanto, que se pode tratar dum novo tipo de colonialismo saqueando as riquezas naturais dos países (p. ex. madeira e pesca) e criando dependências eficazes no futuro. Na cooperação, estas mudanças a nível global ainda não mostraram efeitos nos seus objetivos nem nos seus métodos e instrumentos. Ainda não se vê como a maioria das populações pode ser a beneficiária destes meios da AOD que têm a tendência de ainda crescer.

 Eckehard Fricke
© Eckehard Fricke (2019)

Licenciado em Teologia e Pedagogia

eckehard.fricke@web.de

Trabalhou mais de 30 anos em programas de ONG e da cooperação governamental alemã para o desenvolvimento

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