Entrevista a… Mota Amaral, Presidente da Assembleia da República

Entrevista a… Mota Amaral, Presidente da Assembleia da República

01/11/2002 0 Por hernani

Entrevista a…

Mota Amaral, Presidente da Assembleia da República

Numa altura que foi preciso mostrar a mobilização açoriana contra as movimentações comunistas no continente, o nome de Mota Amaral apareceu associado aos separatistas da FLA. Foi ele que ditou as linhas programáticas do movimento e foi ele que marcou a manifestação onde seria lida, por si, a “Declaração de Independência”.

Mota AmaralMOTA AMARAL, filho de uma família da média burguesia portuguesa, nasceu a 15 de Março de 1943, em Ponta Delgada, nos Açores, onde fez os primeiros estudos, até vir para o continente, em 1967, para Lisboa, onde concluiu o curso de advocacia e onde se especializou em Direito Administrativo e Direito Fiscal.

Membro da célebre “Ala Liberal”, no antigo parlamento marcelista (Assembleia Nacional), foi autor, em 1970, em conjunto com Francisco Sá Carneiro, do Projecto de Revisão Constitucional, contendo muitas reformas democráticas alcançadas, mais tarde, com a Revolução do 25 de Abril de 1974.

Foi fundador do PPD-PSD dos Açores, em 1974, e desempenhou elevados cargos directivos, nas estruturas partidárias, quer a nível regional quer a nível nacional. Foi Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores, de 1976 a 1995, e vice-presidente da Assembleia da República, de 1995 até 2002. Actualmente é presidente desta mesma Assembleia da República.

Numa altura que foi preciso mostrar a mobilização açoreana contra as movimentações comunistas no continente, o nome de Mota Amaral apareceu associado aos separatistas da Frente de Libertação dos Açores (FLA). Foi ele que ditou as linhas programáticas do movimento e que marcou a manifestação onde seria lida, por si, a “Declaração Unilateral da Independência” dos Açores. Inesperadamente desmarcou essa manifestação e os motivos, a não ser ele próprio, ninguém os sabe: uns apontaram a sua vocação religiosa para tal decisão; outros disseram que a estratégia geo-religiosa-política da “Opus Dei”, organização cristã internacional, não contemplava os Açores; alguns pensaram que tinha sido o medo, porque faltaram apoios internacionais; também há quem tenha dito que foi para evitar uma guerra civil. Por último, há também quem tenha pensado que, por o PREC já estar extinto, a “ameaça comunista no continente” já não apresentava perigo para os Açores. A verdade é que hoje, quando as histórias do independentismo açoriano começam a ser conhecidas, e deixam de ser tabu, sabemos que o recuo de Mota Amaral foi considerado uma traição por aqueles que queriam declarar a independência.

Porque saiu, em 1995, de presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores?
Ao fim de vinte anos, entendi que era chegada a altura de deixar o lugar aos outros.

Sendo uma das pessoas com o maior número de anos, consecutivos, no exercício de um cargo governativo, é a favor da limitação de mandatos?
Por acaso até sou. Essa minha longa permanência resultou do facto de não existir uma lei adequada, senão não era possível manter-me tanto tempo. Por outro lado, a problemática da limitação de mandatos decorre de problemas que só agora têm surgido, sobretudo devido à dinâmica extremamente vertiginosa da sociedade actual.

Os EUA são importantes para os Açores?
Julgo que os Estados Unidos são importantes para o progresso e defesa da liberdade do mundo inteiro. É uma sociedade verdadeiramente dinâmica, que marca o mundo desenvolvido e que se projecta em todo o planeta. Para os Açores é especialmente importante por ser o local de destino de muitos açoreanos, que vão em procura de trabalho e de melhores condições de vida, para si e para os seus familiares.

O que o levou, em 1976, a subscrever um requerimento solicitando informações sobre a utilização da Base das Lajes?
Não foi só essa vez. Fiz muitas outras intervenções sobre o programa da base americana das Lajes, tendo sempre em vista garantir que os acordos fossem bem sucedidos para os Açores. De resto, está garantido na Constituição Portuguesa que as Regiões Autónomas dos Açores, e da Madeira, participem nos trabalhos decorrentes dos tratados internacionais que lhes digam respeito.

Como participante dum outro projecto regionalista, foi a favor da última proposta para a regionalização do país?
Naturalmente fui contra. O Arquipélago dos Açores é um caso forçosamente peculiar, por isso tem tratamento constitucional, e não tem qualquer semelhança com o projecto dessa regionalização atípica que o Partido Socialista pretendia impor a Portugal.

Uma vez entrou numa campanha a favor duma solução para “aliviar” a sobrelotação das cadeias. Como essa sobrelotação permanece, não teme que atitudes dessas façam a sociedade caminhar para a desresponsabilização e para a consequente anarquia?
Julgo que a situação nas cadeias se aliviou bastante no período imediatamente a seguir a essas diligências. Entretanto, houve outras medidas, na mesma área, que amenizaram a situação. Julgo que a área das prisões deve ser olhada pelos cidadãos, e pelos responsáveis políticos, como sendo uma área merecedora de atenção, de modo que sejam garantidos os direitos humanos. Sem prejuízo da responsabilidade dos criminosos condenados e da sua dívida para com a sociedade, os direitos humanos devem ser respeitados.

Actualmente, quais são as maiores ameaças para o Mundo?
As grandes ameaças resultam dos problemas ambientais, como o aquecimento global, a desertificação, o desequilíbrio climático, etc.; os outros, mais imediatos, como os da “guerra e da paz” até são menores, sem prejuízo da sua grande importância.

Acredita em nova guerra no Iraque?
Há sinais de que poderão haver operações militares, mas julgo que todos devemos colaborar para promover o encontro duma solução pacífica que elimine a ameaça que representa o regime ditatorial de Saddam Hussein e, sobretudo, que impeça a utilização de armas de destruição maciça.

Como analisa os recentes acontecimentos em Gibraltar, Ceuta e Mellila?
São problemas de um país vizinho.

E o problema de Olivença?
Esse problema não existe porque, da parte portuguesa, está retirado da agenda.

Portanto, é um assunto arrumado para a diplomacia portuguesa.
Aparentemente sim, mas não quer dizer que não haja divergência. Neste momento há uma petição na Assembleia da República para que a questão seja reestudada e reavaliada e, em consonância dessa análise eventualmente poderá haver um reajuste das posições. Mas, com toda a franqueza, parece que temos problemas mais urgentes do que uma eventual querela a propósito de um território cuja população dá todos os sinais de não estar nada interessada na mudança.

Como, por exemplo, a resolução do caso de Camarate?
Na Assembleia da República, o processo foi, outra vez, reaberto e há um inquérito a decorrer. É desejável que se deva concluir rapidamente para que se esclareça a circunstância das mortes de Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa e para promover o julgamento dos possíveis culpados.

Como analisa o estado do país, após a saída do Governo socialista?
A herança do “guterrismo” está a ser muito penosa para todos nós, pois o Partido Socialista, ao fugir das suas responsabilidades governativas, deixou a Portugal problemas muito graves e de difícil solução. Embora esses problemas sejam gravíssimos, o Governo, actualmente em funções, há-de encontrar, com o apoio dos portugueses, maneira de ultrapassá-los.

Acredita que este Governo chega ao fim do mandato sem qualquer reestruturação?
Este Governo tem um mandato de legislatura e condições suficientes no Parlamento para cumprir o seu programa, até ao fim.

Porque razão as primeiras figuras do PSD não aparecem neste Governo?
O Governo foi constituído pelo Primeiro Ministro indigitado conforme as suas opções próprias. Além disso, o Partido Social Democrata exprimiu nas mais diversas ocasiões e, especialmente, no seu recente Congresso, total confiança no Primeiro Ministro José Manuel Durão Barroso.

Qual o maior “pecado” deste governo?
O Governo teve algumas dificuldades no arranque, o que é admissível numa equipa nova que chega ao poder, mas é óbvio que, com a experiência acumulada, têm estado a “corrigir o tiro” e, é notório, que está manifestamente a “acertar nos alvos”.

Barrancos aconteceu numa altura em que “o tiro ainda não estava corrigido”?
Barrancos é um caso muito peculiar que deriva duma intervenção directa do senhor Presidente da República.

Mas quem governa é o Governo e não propriamente o Presidente da República.
Realmente é verdade, mas a opinião do senhor Presidente da República é sempre importante.

Qual o seu conceito de família?
Entendo por uma família, um grupo de pessoas unidas por um laço de sangue, cujas relações afectivas sejam o estímulo e a garantia psicológica a um são crescimento, e uma ajuda para que tragam a paz consigo próprios.

É do conhecimento público que nunca constituiu família.
Eu sou um homem de família. Tenho uma bastante numerosa, desde irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos, etc.

Sendo um católico convicto, como define o Papa João Paulo II?
É uma das grandes personalidades do século XX, uma das figuras históricas, uma das grandes vidas do mundo.

Concorda com a “badalada” resignação do Papa?
Sou contra, porque penso que a missão do Papa, por definição, é vitalícia. Um cargo destes é exercido com a força humana, a dele próprio e, sobretudo, com a ajuda de Deus.

É a favor do aborto?
Não sou, obviamente que sou a favor do direito à vida.

Qual o livro da sua preferência?
São muitos, mas procuro sobretudo a beleza da poesia.

O local para passear?
Açores, sempre os Açores.

E para trabalhar?
Passo no continente somente o tempo necessário para o desempenho das funções políticas que tenho exercido, de resto sempre nos Açores, concretamente na Ilha de São Miguel.

Qual o momento mais difícil da sua passagem pela Assembleia da República?
O momento mais complexo e mais difícil, mas também o mais entusiasmante, da minha longa permanência no Palácio de São Bento, foi sem dúvida nenhuma o cerco da Assembleia Constituinte, em 1975. O ultraje à assembleia representativa do povo português, livremente eleita, através duma manifestação selvagem que pretendeu impedir o livre funcionamento dessa mesma Assembleia.

Qual o assunto que gostaria de ver solucionado no seu mandato como presidente?
A melhoria da qualidade do trabalho parlamentar. No discurso pronunciado após a minha eleição, estão alguns dos pontos sobre esta matéria.

Será candidato à presidência da República?
Não estou a pensar nisso, pois o lugar está ocupado e as próximas eleições só vão realizar-se no ano de 2006. Falta ainda imenso tempo para agora pensar nisso. Neste momento, não está na minha agenda debruçar-me e reflectir sobre esse assunto.

Para terminar, a pergunta mais difícil: o que conhece de Alenquer?
Alenquer é um verdadeiro presépio. Dantes passava lá com mais frequência, nos velhos tempos da Estrada Nacional 1, e deslumbrava-me com o vosso bonito Presépio. Po outro lado, de Alenquer, e da rainha Santa Isabel, temos uma memória muito presente nos Açores, que são as Festas do Divino Espírito Santo.

PERFIL:

    João Bosco Soares Mota Amaral

Habilitações académicas

    Mestre em Direito pela Faculdade Direito da Universidade Clássica de Lisboa (1998).

Cargos Exercidos

    Eleito para a Assembleia Nacional em 1969;
    Membro do Centro de Estudos Fiscais (1969-75);
    Membro da Comissão nomeada pela Junta Governativa para redigir o Projecto de Estatuto Provisório da Região Autónoma dos Açores;
    Deputado à Assembleia Constituinte e eleito em todas as Legislaturas;
    Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores(1976-1995);
    Fundador do PPD nos Açores em Maio de 1974;
    Relator da primeira comissão da Assembleia da República para a lei eleitoral para o parlamento regional;
    Membro da Comissão Eventual para a IV Revisão da Constituição (1977);
    Presidente da Comissão Política Regional do PSD até Dezembro de 1995;
    Presidente Honorário do PSD e da JSD dos Açores;
    vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD (1995-96);
    Presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD (1996-99);
    Relator da Revisão do estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, realizada em 1998;
    Presidente do Conselho de Administração do Instituto Sá Carneiro desde Julho de 2000;
    Conselheiro de Estado;
    Membro do Conselho Superior de Defesa Nacional;
    Membro do Conselho Superior de Segurança Interna;
    Membro do Conselho Superior de Informações;
    Membro do Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência;
    Membro da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
    vice-presidente da Assembleia da República (1995-2002);
    Presidente da Assembleia da República, a partir de 2002.

Representações no estrangeiro:

    Participou nas negociações do Tratado de Comércio com a Espanha, como Membro do Centro de Estudos Fiscais (1969-75);
    Representou Portugal em reuniões em Paris do Grupo de Trabalho da OCDE sobre dupla tributação (1970);
    Em 1972, a convite do Governo dos Estados Unidos da América, fez uma visita àquele país onde, durante um mês, contactou directamente com as comunidades açoreanas da América do Norte pela primeira vez;
    Em 1973 participou nos trabalhos da reunião de Helsínquia, da União Parlamentar, integrada nas diligências sobre o desanuviamento;
    vice-presidente da Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa ;
    vice-presidente da Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar da União Europeia Ocidental;
    Presidente da Subcomissão dos Poderes Locais e Regionais da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa;
    Membro da Conferência Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa, sendo Presidente da Delegação Portuguesa;
    Relactor-Geral da I Conferência das Regiões Insulares Europeias, em 1981, nas Canárias;
    Relactor-Geral da II Conferência das Regiões Insulares Europeias, em 1984 em Ponta Delgada;
    Relactor-Geral da III Conferência das Regiões Insulares Europeias, em 1991, em Marienham, nas Ilhas Aland (Finlândia);
    Presidente da Comissão das Ilhas da Conferência das Regiões Periféricas Marítimas da Comunidade Europeia (1994-95);
    Chefe da Delegação Portuguesa para o Tratado de Maastricht;
    Vogal da Comissão Permanente da Assembleia das Regiões da Europa;
    Membro do Comité das Regiões, designado pelo Conselho de Ministros da União Europeia;
    Relator do primeiro parecer discutido e aprovado pelo Comité das Regiões, em Abril de 1994, relativo à criação do Fundo de Coesão;
    vice-presidente do Comité das Regiões (1994-95);
    Orador Especial convidado no “Simpósio Internacional das Ilhas”, realizado em Hiroshima, no Japão, em 1989;
    Orador Especial convidado na Conferência “Ilhas 2000”, em 1992, em Taormina, na Sicília (Itália);
    Orador Especial convidado na I Cimeira dos Arquipélagos – Irmãos do Hawai, em Honolulu, em 1992;
    Presidente da Comissão de Fiscalização do Cumprimento das Obrigações dos Estados Membros do Conselho da Europa.

Em representação do Presidente da Assembleia da República

    Em 1977 (Abril) na Conferência dos Presidentes dos Parlamentos da Bacia Mediterrânica, realizada em Atenas, onde fez uma intervenção;
    Em 1998 na Conferência de Bucareste sobre a Reforma dos Parlamentos;
    Em 1998 (Abril) na Cimeira dos Presidentes dos Parlamentos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, realizada em Lisboa;
    Em 1998 (Dezembro) na Conferência dos Presidentes dos Parlamentos da União Europeia, realizada em Viena;
    Em 2002 (Fevereiro) na 3.ª Conferência dos Presidentes dos Parlamentos dos da Área Euro-Mediterrânica, realizada em Atenas.

Trabalhos Publicados:

    Autor, em conjunto com o Dr. Francisco Sá Carneiro, do Projecto de Revisão Constitucional em 1970, pela chamada “Ala Liberal”, contendo muitas reformas democráticas alcançadas com a Revolução de 25 de Abril de 1974;
    Autor, em conjunto com o vice-presidente Manuel Alegre, em 1999, dum projecto de lei sobre regras protocolares do cerimonial do Estado Português;
    “O Desafio Insular” (4 edições) – 1990;
    “Natal Açoreano” – 1993;
    “O Caminho da Vitória” – 1994;
    “Autonomia e Desenvolvimento – Um Projecto para os Açores” – 1995;
    “Em Louvor de Timor” – 2002.

Intervenção na Comunicação Social:

    Chefe de Redacção na revista “Rumo” e no vespertino micaelense “Diário dos Açores” (1965-1969);
    Manteve até há pouco, desde Janeiro de 1996, uma coluna semanal de comentário político, no “Diário de Notícias”, de Lisboa, e tem escrito, ocasionalmente, para vários outros jornais.

Condecorações e Louvores:

    Em 1984 foi condecorado pelo Presidente da República Ramalho Eanes com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique;
    Em 1989 recebeu do Presidente da República Francesa o Grande Oficialato da Ordem de Mérito;
    Em 1992 foi distinguido com o prémio “Castor e Pollux”, da Liga Naval Italiana;
    Em 1995 (Maio) recebeu o título de Doutor Honoris Causa em Ciências Económicas pela Universidade dos Açores;
    Em 1996 foi condecorado pelo Presidente da República Mário Soares com a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo;
    Em 1998 foi condecorado pelo Presidente da República Federal da Alemanha com o grau de Grande Oficial da Ordem Nacional de Mérito.



Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2002)

diretor do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer de 1 de Novembro de 2002, p. 18 e 19


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