Entrevista a… Daniel Sampaio
01/01/2000Entrevista a… Daniel Sampaio
“Eu não sou escritor, mas sim um médico que escreve livros”
Confesso que para além de ler alguns artigos de opinião que Daniel Sampaio publicou na imprensa escrita, nada mais sabia dele. A sua vinda a Alenquer para participar no Novembro Cultural 1999, proporcionou-me a oportunidade de elaborar um pequeno dossier a seu respeito e verifiquei que é uma pessoa multifacetada e com actividade em vários sectores da sociedade. Tem sido político, (quando teve grandes responsabilidades na elaboração dum programa do Partido Socialista), tem sido cientista, médico, escritor e analista.
Existe o risco de algumas das suas palavras terem sido proferidas num contexto que, provavelmente já não é o mesmo, mas as palavras persistem e é pela sua faceta de analista que iniciamos o nosso jogo.
Timor Loro Sae: A génese do problema foi Portugal ter formado, financiado e armado um movimento pró-soviético e com isso ter “empurrado” a Indonésia para a invasão. Quando diz “veremos nascer Timor Loro Sae e teremos orgulho nisso”, entende que é mesmo de ter orgulho no trabalho feito?
Timor vai nascer e acho que tudo vai correr bem. Os americanos tiverem influência no que aconteceu, pois apoiaram muito a Indonésia.
Esteve alguma vez em Timor?
Nunca lá estive.
Quando “sugere aos analistas mediáticos que se desloquem para junto dos problemas, antes de os comentarem só pelo que ouvem dizer” o Senhor apurou o seu sentido crítico ou distraiu-se quando emitiu a anterior opinião?
Assumo tudo o que escrevo e não me importo que me chamem a atenção para as minhas incongruências, mas o que aí escrevi sobre Timor Loro Sae foi um fragmento de muitas outras coisas que escrevi e como professor de psiquiatria quis chamar a atenção para a modernização dos portugueses.
Fale-nos do estudo realizado por si em 1995, envolvendo cerca de 10.000 estudantes. O que o motivou, como decorreu, e quais as suas conclusões?
Foi um estudo sobre os jovens portugueses intitulado ESCOLA, FAMÍLIA E AMIGOS em que se procurou caracterizar para essa amostragem como é que estavam as relações dos jovens com a escola, com os amigos e com as suas famílias. As conclusões foram interessantíssimas; duma forma geral a opinião dos estudantes sobre os professores, embora crítica, foi positiva; distinguiram-se duas escolas: a sala de aula onde não gostam de estar e o recreio onde gostam do convívio. Outro dado muito importante desse estudo foi que “a família é fundamental e que mais influência tem para os jovens portugueses: mais que os amigos, mais que a televisão, mais que os professores, SÃO OS PAIS AS FIGURAS FUNDAMENTAIS”.
Continua a pensar que “existe falta de diálogo entre alunos e professores e que é preciso responsabilizar em vez de punir”?
Sim. Cada vez mais é preciso responsabilizar em vez de punir. Entendo que é preciso ajudar os jovens a pensar e ajudá-los a serem responsáveis pelos seus actos. Entendo que a sala de aulas cada vez mais deve ser um local de diálogo entre professores e alunos, onde os professores determinam as regras principais, mas elas têm que ser discutidas com os alunos.
Como é como médico? Quais são os seus tiques?
Gosto muito de trabalhar no hospital. Trabalho pouco no consultório. Trabalho muito em equipa. Gosto muito de trabalhar com psicólogos e dedico-me sobretudo a trabalhar com os jovens e suas famílias. O meu tique principal é ouvir muito; cada vez oiço mais aquilo que os doentes têm para me dizer; aquilo que os pais têm para dizer sobre os filhos e aquilo que os filhos têm a dizer dos seus pais.
Qual a sensação que um médico tem quando o Director de um hospital o chama e lhe diz “este doente morreu por sua causa. Você fez o diagnóstico mal feito”?
Nunca aconteceu comigo. A parte essencial é que quando trabalhamos em equipa, sentimo-nos mais acompanhados. As responsabilidades mantêm-se, mas é uma responsabilidade partilhada.
Costuma ler os seus livros?
Depois de publicados, não.
Quando sente que uma obra sua está terminada?
Acho que em muitas das minhas obras eu deveria continuar a rescrevê-las, a melhorar a prosa, a torná-la mais elegante, mas não tenho muito tempo para fazê-lo, pois como tenho dito, eu não sou escritor mas sim um médico que escreve livros.
Júlio Verne quando acabava de escrever uma página, punha-a debaixo do rabo para não a perder. O Senhor é organizado no seu trabalho de escritor?
Sim sou muito organizado e a minha secretária está sempre ladeada por diversas pastas.
Quantos livros edita por ano?
Geralmente um.
Porque não edita mais? Pensa que não há público para as suas obras?
Tenho suficiente vaidade para achar que tenho público para os meus livros, não tenho é tempo para escrever mais.
Lobo Antunes diz que “este é um país preguiçoso que vai para os bares e cafés”. É por isso que não existe o hábito da leitura?
Eu penso que isso está a mudar, cada vez se lê mais e as bibliotecas têm tido um papel importante na difusão da leitura.
Em prefácio escreveu “faz esquecer a monotonia de muitos dias da nossa vida adulta, para nos fazer regressar à fantasia da adolescência, na companhia de uma bruxa boa e de um mágico maternal”. Recorda-se em que obra?
Adozinda, de Sofia Ester, uma jovem escritora que eu procurei acarinhar e ajudar a publicar.
“O Esplendor de Portugal”, a “Balada da Praia dos Cães” e o “Evangelho segundo Jesus Cristo”. Três obras de três grandes escritores. De qual gostou mais?
O Explendor de Portugal, de Lobo Antunes. Esse romance localiza algumas das minhas teorias sobre África.
Quais os escritores que lhe trouxeram maiores emoções?
Garcia Marquez e Jorge Amado, por exemplo.
Gosta de Drummond de Andrade?
Sim, gosto muito.
O senhor falou de um amigo seu que tinha “a depressão do sucesso”. Porque disse isso?
Porque isso acontece muitas vezes, pois quando as pessoas se esforçam para obter um determinado objectivo e quando o conseguem, têm sucesso e às vezes começam logo à procura de outro. É como se o sucesso fosse difícil de atingir.
“Os Caminheiros e Outros Contos” e “O Hóspede de Job”. Dois livros, um único autor; um retirado pela censura, o outro galardoado com o prémio Camilo Castelo Branco.
O “Hóspede de Job” é um livro muito importante do José Cardoso Pires. Sempre foi um homem de esquerda e contra o regime mas suficientemente bom para ser reconhecido como um grande escritor.
Columbano dizia: “Não tenho fé mas tenho muita esperança”. Em que situação aplicaria este pensamento?
Quando se trata de doentes com predisposição para o suicídio, temos que lhes dar esperança.
Fez um estudo bem curioso sobre o meu trabalho, mas existem aí muitas questões que eu já não me lembrava.
Depois dos agradecimentos do JA, Daniel Sampaio dirigiu-se ao Auditório da Biblioteca Municipal de Alenquer, onde uma imensidão de gente, sobretudo jovem, o recebeu apoteoticamente. Seguiu-se o Encontro com… DANIEL SAMPAIO.
PERFIL:
Daniel Sampaio
Nascimento
Lisboa, 1946
Habilitações Académicas
Fez os seus primeiros anos de escolaridade na Escola Sport União Sintrense e continuou os seus estudos no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, de onde saiu em 1963/64.
Fez o Curso de Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1964/1970.
Concluiu a especialidade de Psiquiatria em 1976.
Doutorou-se em 1986.
Actividade Profissional
Professor Associado da Faculdade de Medicina de Lisboa e Assistente Hospitalar graduado do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria, onde coordena o “Núcleo de Estudo do Suicídio”.
Fundou a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, em 1979, e foi um dos introdutores em Portugal da Terapia Familiar.
Encontros
Tem sido solicitado variadíssimas vezes para encontros nas Escolas e Bibliotecas, tendo participado também em programas de rádio e televisão, sendo talvez o que tenha maior impacto o programa VERDES ANOS, na SIC.
Títulos Publicados
A Arte da Fuga
A Cinza do Tempo
Diálogos com Adolescentes
Droga, Pais e Filhos
Inventem-se Novos Pais
Ninguém Morre Sozinho.
O Adolescente e o Suicídio
Que divórcio
Terapia Familiar
Vivemos Livres numa Prisão
Voltei à Escola
Vozes e Ruídos.
Encontro com Daniel Sampaio na Biblioteca Municipal de Alenquer
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2000)
diretor do Jornal D’Alenquer
in Jornal D’Alenquer, 1 de Janeiro de 2000
Caderno “Novembro Cultural”, p. 4 e 5
Olá, muito obrigado por visitar este espaço.
Espero que a sua leitura tenha sido do seu agrado.
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Até lá… e não demore muito. espreite