Concentração de meios dominada pelo poder político: Imprensa Regional, que futuro?

Concentração de meios dominada pelo poder político: Imprensa Regional, que futuro?

20/10/2004 0 Por hernani

Concentração de meios dominada pelo poder político

Imprensa Regional, que futuro?

Perante esta imprensa regional o leitor crítico vê-se o mais das vezes de sentimentos divididos: rir ou chorar? Rir, da pobreza ideológica e de espírito, da paralisação no tempo, (…), do amadorismo infantilizante da maioria dos textos, do «fait divers» pequenino e estéril; Ou chorar, exactamente pelas mesmas razões, mais o facto de que é esta a memória que vai ficar para a posteridade, armazenada nos nossos arquivos”.

“Se banirmos da face da terra o homem, o espectáculo comovente e sublime da natureza passará a ser apenas um cenário triste e mudo. O universo cala-se; o silêncio e a noite caem sobre ele. Tudo se transforma numa vasta solidão em que os fenómenos não observados ocorrem de forma sombria e oculta. É a presença do homem que torna interessante a existência dos seres”.(1)

É essa presença do homem que é levado pelo jornalista ao leitor para que este a veja e compreenda. “A reportagem é a vida” (2) , mas é a imprensa regional, porque está mais perto de todos nós, que relata os acontecimentos próximos, que fala de histórias locais, e onde colaboram pessoas nossas conhecidas.

A melhor imprensa regional instrui, estimula, forma, modela e esclarece, mas numa altura em que o jornalismo está em crise, como por arrasto, também a imprensa regional é afectada, e como são órgãos de informação mais pequenos, as dificuldades chegam-lhe mais depressa.

Normalmente, o jornalista independente, da imprensa regional, que muitas vezes tem que esquecer o que aprendeu na universidade e ter como único princípio a respeitar, “o saber escrever bem”, tem coragem, uma certa abnegação e um grande espírito de sacrifício. Gosta de falar com pessoas, de se interessar pelas suas dificuldades, no entanto as relações de proximidade, inevitáveis em meios pequenos, dificultam o seu exercício jornalístico e poderão conduzir à sempre perigosa auto-censura, em função de interesses diversos.

Para além da escassez de meios e das deficiências de formação, não existem mecanismos de salvaguarda em relação aos autores das notícias. São muitos exemplos de colaboradores de jornais processados, dada a publicação desta ou daquela história que envolveu um qualquer vereador, um qualquer presidente da câmara ou de junta de freguesia ou um qualquer empresário local.

A jornalista Judite de Sousa, em entrevista a um jornal diário, admite que tem poucos conhecimentos do sector, mas acha que um dos sinais da democracia é ter uma imprensa regional viva, forte e actuante, que o seu papel é estar ao serviço das pessoas, e que os órgãos de informação que, à partida, deverão ter todas as condições para ser, realmente, o espelho das preocupações, das necessidades e dos problemas das populações que representam.

Quanto à sustentação económica do sector, pensa que, em termos de receitas publicitárias, a situação é capaz de não ser famosa, mas julga que muitos dos órgãos de comunicação social regionais são subsidiados pelos poderes locais e, portanto, conseguem bases de sustentabilidade financeira.

Judite de Sousa; à partida, confessa que “tem poucos conhecimentos do sector”; Acreditamos que assim seja, pois se os tivesse com certeza não relacionaria a “sustentabilidade financeira”, advinda dos subsídios recebidos do poder local, com os “sinais da democracia”.

São situações antagónicas, porque a imprensa regional subsidiada pelo poder local, tem uma característica radical, a que João Carlos Correia, da Universidade da Beira Interior, caracteriza, ao referir-se à imprensa regional de Trás-os-Montes: “a característica, mais comum na imprensa (…) é o caciquismo e a subserviência”. (3)

Por outro lado, dependendo a sua sobrevivência, em grande medida, da publicidade institucional, é proibido criar inimizades entre os “barões” locais, assumindo antes uma postura, que na gíria recebe a designação de “jornalismo responsável”. Se se almejarem voos mais altos, o discurso laudatório do poder é sempre incentivado e a reciprocidade de favores funciona.

Na imprensa regional de cariz radical existe alguma evolução ao nível do debate, como seja o surgimento de artigos de opinião favoráveis e algumas tendências políticas anteriormente privadas de voz, mas o espectro de ideias nunca se alarga muito pois o que os move não é a busca do pluralismo. “Para quê publicar artigos de opiniões divergentes, se a deles é que é a correcta, como de resto o podem confirmar os seus muitos amigos? Depois, a diversidade confunde o povo ou, o que ainda é pior, leva-o pensar nos assuntos, o primeiro passo para a heresia. Pluralismo sim, mas a uma só voz”. O mesmo autor sustenta que “toda a medida tendente a alterar “A Tradição” (com maiúscula e vénia) é obra de uns degenerados infiltrados na nossa Sociedade”.

Outra característica muito comum nos jornais de cariz radical é a consanguinidade de alguns dos seus responsáveis.

João Carlos Correia termina esta sua dissertação traçando um quadrado trágico-cómico: “Posto isto, perante esta imprensa regional o leitor crítico vê-se o mais das vezes de sentimentos divididos: rir ou chorar? Rir, da pobreza ideológica e de espírito, da paralisação no tempo, da mediocridade crónica, do ridículo a que as coisas chegam (ou de onde, desgraçadamente, nunca saíram) do amadorismo infantilizante da maioria dos textos, do «fait-divers» pequenino e estéril; ou chorar; exactamente pelas mesmas razões, mais o facto de que é esta a memória que vai ficar para a posteridade, armazenada nos nossos arquivos”.

No entanto, há muito que se diz que o futuro da imprensa está na “imprensa regional”. Uma imprensa mais aberta, mais próxima dos cidadãos a que se destina; é assim em França e em Espanha, para falar só dos países que estão mais próximos de nós. Mas será que, em Alenquer, a imprensa regional tem potencialidades para se tornar num espaço público?

Muita gente tem receios dos jornais, por se dizer que são o “Quarto Poder”, e há quem, por via disso, os tente manipular. (Nos princípios do século XIX e relacionado com um jornalista panfletário da época, nasceu a noção de “Quarto Poder” ou “Contra Poder”, uma ideia nascida do contraponto aos três poderes hierarquicamente enumerados por Montesquieu: legislativo, executivo e judicial.

Poder à parte, os jornais regionais são uma panóplia de possibilidades para quem intervém nos campos da política, do social e da cultura, e representavam sempre um certo poder (o tal quarto poder?), pois dele poderá depender o controlo da opinião pública. Por via disso os políticos querem transformá-los em “montra mediática”, mas a maioria das vezes o que pretendem é a substituição de uma nomenklatura por outra: como diria Iznogoud, personagem ficcional de Goscinny, “eu quero ser o Califa no lugar do Califa”. (5)

Também há certos jornais que a crítica aos detentores do poder local faz parte da sua política editorial; nesta situação deparam-se com fraca receptividade por parte de alguns anunciantes, na maioria conservadores e receosos de suportar economicamente jornais com tendências que contrariassem os seus interesses económicos ou preconceitos políticos, e com algumas represálias em campanhas orquestradas de descredibilização.

Alguns directores não podendo ser fisicamente são vítimas de terrorismo verbal e de assassínio de carácter: “se pretendemos obrigar o nosso oponente a dobrar-se à nossa vontade, temos de o colocar numa situação que seja para ele mais opressiva do que o sacrifício que exigimos” (6) . Sendo assim, são condicionados pela agressão psicológica para os levar a subjugarem-se a quem detém autoridade/força, originando-se assim uma situação de compromisso ou de silêncio dos inocentes. (7)

São vários métodos utilizados, com profissionalismo, para alcançarem os seus objectivos: primeiro há que criar um ambiente propício ao desinteresse pelos assuntos públicos ou políticos, incluindo a formação de opinião pública; é vulgar ouvir-se a frase “a minha política é o trabalho” (técnica da neutralização); é deste grupo de pessoas “neutralizadas” que é feita a selecção e captação de novas fidelidades e apoios (técnica dos novos escolhidos) e aí, “nós os bons, eles os maus” (táctica do maniqueísmo), ficamos porque “somos os melhores, os mais fiéis”, e “queremos mostrar serviço”.

De nada serve falar com estes “novos escolhidos”. “Falar com um insensato é conversar com quem está adormecido; no fim da conversa dirá: o que se passa?”. (8) No fundo, devem lamentar-se: “a estúpida, a insensível a estéril ignorância deve servir-me de carcereiro”. (9)

Como dizia Goya, “o sono da razão engendra monstros” (10) e são estes “neutralizados” e “novos escolhidos” os intervenientes principais em algumas campanhas de descredibilização contra os alvos dos detentores do poder, com intervenções anónimas, principalmente através da Internet, em que estão constantemente a agredir o adversário de modo a destruir a sua imagem, pela convicção que se cria de que é polémico, tem mau carácter ou é imoral e está a contas com a justiça (guerrilha verbal).

E os detentores da autoridade/força continuam a utilizar campanhas de descredibilização de imagem, com o objectivo de proceder à erosão ou eliminação de alternativas para as suas vítimas, e não recuando perante a difamação (assassínio de carácter); e também o abafar das comunicações, ideias e opiniões do adversário, cobrindo-as com o manto da ocultação, quando não se provoca mesmo a sua deturpação (técnica da espiral do silêncio ou regra da perversão).

O visado por este tipo de manipulações é confrontado por uma situação adversa de intriga, rumores ou boatos em crescendo, que visa o descrédito, isolamento (pela salamização de apoios), silenciamento, agressões sucessivas em escalada orquestrada, enquanto o autor da orquestração de apoios fica escondido no secretismo e no anonimato das fontes de informação (técnica da paralisia). Aqui a neutralização é obtida por acções de curto-circuito, incluindo pelo efeito de “boomerang” contra a vítima e sobre a respectiva base de apoio. (11)

A complementar o ramalhete utilizam o “black out” informativo (pela ausência de informações de alguns eventos importantes, e de notícias de algumas colectividades dirigidas por pessoas de sua confiança política).

Por isto, penso que a Alenquer não há lugar para três jornais. No máximo dois, seria o ideal.

No campo do interesse público, o ideal seria haver uma publicação para todos os sectores da sociedade de maior evidência. Como exemplo, no nosso caso, para o sector da vinha e do vinho, na parte económica, e para as vertentes Damião de Goes e História Local, na parte cultural, e provavelmente uma publicação dedicada ao desporto e associativismo locais. Também faria sentido publicações alusivas às áreas da Educação e do Imobiliário.

A viabilidade dessas publicações seria difícil devido ao universo de leitores existentes. O concelho de Alenquer tem cerca de 40 000 habitantes, e devido à iliteracia existente e a uma opinião pública acomodada e consumista este número é significativamente reduzido, e além disso, entendo que um jornal regional não deva ir para além da área geográfica do concelho a que pertence. Quando assim não é, a causa principal é a procura da publicidade aqui a viabilidade económica é encontrada mas as áreas geográficas cobertas ficam mal servidas.

O dia-a-dia tem-nos ensinado que, independente da latitude e longitude, o poder político local instituído financia e controla o meio de comunicação social existente, geralmente através de cooperativas ou de empresas fantoches, onde coloca homens de sua confiança. Muito perigoso para a Democracia e para os Direitos Adquiridos dos Cidadãos pois, aos mais distraídos, até dá a ilusão de estar a prestar um serviço público isento e de qualidade. Mas não: o seu único objectivo é prestar um serviço “servil” aos seus “senhores”.

Perante esta inevitabilidade do poder político interferir na comunicação social local, julgo como indispensável, até mesmo desejável, e existência de dois jornais locais:

Um, de corrente radical, estrategicamente passivo, subordinado ao poder estabelecido e servindo os seus interesses, onde o clima oficial tenda para a censura, e onde a propriedade dos meios se torne mais concentrada. Como inevitável, financiado pelo poder, que obrigatoriamente terá os melhores meios, técnicos e humanos, ao seu dispor e que, digamos, fornecerá a informação oficial, vulgo “Boletim Municipal”, que seja transmissor de ignorâncias e motor de inércia, onde se pratique e reciprocidade de favores com o poder, e onde se diga bem sem esquecer ninguém, especialmente se forem de pessoas da área do poder instituído.

Um outro, de corrente liberal, interventivo, independente e autónomo da estrutura do poder, que inclua a massa crítica do concelho, que dê voz às pessoas e reproduza as ideias colectivas da sociedade, que interprete e compreenda os contextos económicos, sociais e culturais da comunidade, e que reforce o conhecimento do mundo tal e qual como ele é, e que seja crítico ao poder instituído; ser crítico ao poder não quer dizer que seja contra o poder, o “bota abaixo”. O ser crítico é uma coisa e o “bota abaixo” é outra distinta. Mas um jornal regional tem que ser sempre crítico ao poder constituído, e essa é a minha perspectiva de jornalismo de imprensa regional.

Qual será o futuro da imprensa regional? Nietzsche, em 1887, previa que os dois séculos vindouros seriam de puro niilismo, onde os valores mais elevados se desvalorizariam. Se fosse possível transportar este pensamento para a comunicação social regional, diria que, cada vez mais há uma proliferação de artistas da escrita e penso que a tendência não é para melhorar. Os jornais não evoluíram nesse sentido. A nível da região Ribatejo/Oeste, existe uma corrente política que praticamente tem dominado grande parte dos jornais, ao privilegiar aqueles que “escrevam umas coisas”, chegando mesmo a distingui-los com reconhecimento social; e a verdade é que alguns chegam a convencer-se que são mesmos jornalistas.

Muitas dessas pessoas iniciaram-se ali naquele órgão de comunicação social, pensam que o jornalismo é aquilo, o mundo deles é só aquele, não têm uma visão de futuro, o seu conceito de notícia é muito marcado pelo actual estado de coisas, e mesmo sem o quererem, estão a ser alienados, ao confundirem a sua missão de informar, com a de um publicitário ou a de um propagandista.

Por isso, julgo que o futuro da imprensa regional vai ser a concentração de meios, jornais, rádios e as prováveis televisões regionais, em grupos totalmente controlados pelos poderes políticos locais, e onde a classe jornalística estará literalmente subjugada pelas benesses recebidas, o que, estou convencido, para muitos não será nenhum sacrifício, até porque, parte dela poderá estar incluída no grupo a que Thomas de Koninck apelida de “Nova Ignorância”: Por que não só “ignoras as coisas mais importantes, como, “ignorando-as completamente pensas sabê-las“, dizia Sócrates a Alcibíades. Por isso, “meu pobre amigo, coabitas com a pior das ignorâncias; és tu e o teu próprio discurso que te denunciam”. (…) “Ela é a causa de todos os erros aos quais o nosso pensamento está inteiramente sujeito, pois essa ignorância define a amathia (estupidez) e a apaideusia (incultura), daqueles prisioneiros que, agrilhoados desde há muito no fundo de uma conversa, se tomam peritos em sombras e se contentam com isso à força de não conheceram mais nada. (12)
Notas:

(1) Denis Diderot, in “ Encyclopédie”;
(2) Jean – Dominique Boucher (jornalista);
(3) João Carlos Correia, Universidade da Beira Interior;
(4) João Carlos Correia, Universidade da Beira Interior;
(5) João Carlos Correia, Universidade da Beira Interior;
(6) Von Clausewitz, o chefe do Estado Maior dos Exércitos Prussianos e director da Academia Militar de Berlim;
(7) Luís Nandin de Carvalho, Manipulação da Opinião Pública;
(8) Eclesiástico, Bem Sira, 22, 10 – 12
(9) Shakespeare, Ricardo II, 1, 3, 168 – 169;
(10) Francisco Goya, citado por José Saramago em Le Monde Diplomatique, 1998;
(11) Luís Nandin de Carvalho, Manipulação da Opinião Pública;
(12) Platão, Alcibíades, 118 a-b; O Sofista, 229 c; ef. A República, VII 514 – 517ª; Thomas de Koninck, A Nova Ignorância, 9.

Alenquer, Outubro de 2004

 

Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2004)

Director do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer, 30 de Outubro de 2000 online

 

– Trabalho feito por sugestão de Nuno Castilho de Matos para servir de apoio à sua tese de fim de curso, subordinada “A Imprensa Regional no Concelho de Alenquer”.

Entrevista a Hernâni de Lemos Figueiredo, director do Jornal D’Alenquer
(Entrevista concedida na mesma linha de apoio)

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