A “VI Exposição” de Inácio Silva

A “VI Exposição” de Inácio Silva

19/10/2013 2 Por hernani

 

Em Abrigada, entre os dias 15 e 30 de Novembro

A “VI Exposição” de Inácio Silva

“Uma mistura entre fotografia e desenho que, sendo as duas, não é uma coisa nem outra. É uma outra forma de ver o que normalmente só olhamos”

Cartaz da “VI Exposição” de Inácio Silva

“Exposição”; que máxima para esta “VI Exposição” de Inácio Silva. Porquê? Porque, exposição é a noção elementar da fotografia, a captura de luz pela máquina fotográfica, numa visão estritamente tecnológica. Mas também é uma apresentação de objectos de arte ao público, numa visão puramente estética.
Mas, esta “VI Exposição” de Inácio Silva é uma amostragem de fotografias, numa “mistura de fotografia e desenho”, como consta do cartaz do certame. Estará aqui o busílis da questão? Enquanto o desenho, como resultado artístico, é encarado como arte, tal como a pintura, embora afastado desta nalguns pontos essenciais, sobre a fotografia a discussão tem décadas e, hoje, ainda não se chegou a um consenso. A fotografia é arte? Se sim, que tipo de arte é? Se a fotografia é de uma obra de arte, isso significa que ela incorpora a excelência técnica dessa obra de arte?
Roland Barthes denuncia que muitos não a consideram arte, por ela “ser facilmente produzida e reproduzida”, no entanto, “a sua verdadeira aura” estará na interpretação da realidade.
Isto de “aura” remete-nos para a imagem de Walter Benjamin. Para este autor, a obra de arte não constitui uma interface temporal entre o passado e o presente, mas sim uma afinidade dialéctica que salta «do que foi» ao «agora». No entanto, ela apresenta-se, à partida, como divisão da própria «physis» entre o estado natural e o estado cultural, e entre uma infinidade de outras imagens fragmentadas e complexas.
Lembremos que as mais remotas obras de arte apareceram ao serviço de um ritual, inicialmente mágico, e depois religioso. Tinham um valor de culto e um valor de exposição. Para Walter Benjamin, estas obras de arte detinham um valor de exposição tanto maior quanto menor fosse o seu valor de culto.
Antes, “ajoelhar”; agora, “sentar”. Antes, a “adoração e a “contemplação”; agora, a “exposição”. O alargamento do público alcançado e a fácil reprodução técnica, forneceram à obra outros valores, não mais de culto, mas de exposição e distracção; e a obra de arte, que protegida pela sua aura se mantinha simultaneamente ausente e presente, começou a circular.
É verdade, que devido à sua reprodutibilidade técnica tenha perdido o seu domínio de tradição, tenha perdido a sua aura e tenha abdicado do seu invólucro de místico, de magia; mas também é verdade que ela substituiu a sua existência única pela sua existência em massa, que foi ao encontro da vontade de apropriação por parte do espectador, que desejava uma maior proximidade com ela, quebrando assim a corrente que a tornava única: o seu “aqui e agora” e a sua “unicidade”.
Regressemos à fotografia, afinal o suporte da exposição de Inácio Silva. A fotografia constituiu a primeira revolução técnica relevante em relação à obra de arte, e para Benjamin a sua história teve dois momentos: um primeiro, protagonizado por Daguerre (1837), onde ela era fortemente influenciada pela pintura e tinha por tema principal o retrato, a figura humana; Um segundo, com Atget (1857) como actor principal, que abandonou a fotografia convencional e iniciou a fotografia urbana; fotografou as coisas perdidas e transviadas, lugares vazios e sem a presença humana.
Já na pós-modernidade, temos Edward Weston, um fotógrafo norte-americano da primeira metade do século XX, que é conhecido pelas suas fotos que parecem esculturas. Finalmente, para encerrar este percurso, chegamos a Andy Warhol, pintor norte-americano do século passado, e elemento preponderante da pop art, que utilizou fotografias como base para pinturas.
Estamos, ainda, sem uma resposta para saber se a fotografia poderá ser considerada arte, ou não. Vamos falar da VI Exposição” de Inácio Silva, que estará exposta numa loja do “Espaço Comercial ABRICENTRO”, de Abrigada, entre os dias 15 e 30 de Novembro próximo. São quarenta obras expostas, divididas em três temas: o primeiro, e o maior em obra é sobre a “Procissão a S. Roque”; o segundo, sobre a “Procissão a Senhora da Graça”, e o terceiro sobre “o que os olhos mostram com as mãos”. São quatro dezenas de trabalhos “que mais não são que pedaços de si”, como confessa Inácio Silva.
Dos santos da Freguesia de Abrigada, é São Roque que emerge em posição dominante. É um santo da Igreja Católica, que foi canonizado por devoção popular e não por decisão eclesiástica, e são escassas as certezas sobre a sua existência, permanecendo a história da sua vida contada envolta num profundo mistério. Misticismo igualmente adjacente aos restantes santos da freguesia, agora expostos nesta mostra de fotografia, pintura com fotografia e desenho. São imagens fortes, algumas com uma apreciável apetência táctil, tal a sua singeleza.
Fotografar não é apenas apontar a máquina e apertar o disparador. Para aquele momento ímpar e único tem que haver sensibilidade para o registo daquela realidade que o mundo externo oferece naquele momento único.
Para Vilém Flusser, foi com as vanguardas e com o movimento realista que a imagem técnica “ganhou valor de destaque”. Por sua vez, Feuerbach argumenta que “sem dúvida que o tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser”.
As imagens destes santos da Freguesia de Abrigada chegam até nós pela imagem técnica protagonizada pela fotografia digital de Inácio Silva. Haverá arte nestas imagens técnicas? Na pós-modernidade, num mundo subjugado à comunicação visual, a fotografia só vem acrescentar grandeza; poderá ser ou não arte, tudo depende do contexto e do momento envolvidos na imagem. Caberá ao observador interpretar a imagem, e acrescentar-lhe as projecções sensoriais processadas pelos seus reflexos cognitivos.
Falta falar do autor da exposição. Fotógrafo? Artista? Decida o leitor. Por mim trato-o por “artista”, pois Inácio Silva é uma pessoa multifacetada onde actua em diversas áreas artísticas, como a escultura e o teatro, por exemplo. Em 1983 completou um curso de fotografia e cinema, ainda no tempo do analógico. Somente na fotografia, vai na sexta exposição, e não estão todas contabilizadas.
Algumas das suas fotografias interagem com o imaginário colectivo, são oníricas, isto é, são sonhos. Concretamente o seu interesse pela componente religiosa. Mas também a parte popular, as suas festas, o seu paganismo, as suas tradições. Outra vertente da obra fotográfica de Inácio Silva é a fotografia urbana, com as coisas perdidas e transviadas, e os lugares vazios da presença humana. Veja-se a sue reportagem fotográfica de Piódão, uma aldeia perdida na Serra do Açor, Arganil.
É deveras complexo definir a corrente artística seguida por Inácio Silva, tal a variedade de géneros estéticos que percorreu ao longo da sua vida de fotógrafo. Gosta de protagonizar experiências, de procurar motivos abstractos, ângulos de observação, condições diversas de iluminação e formas curvilíneas. Acredito que Inácio Silva, involuntariamente ou não, é tão só um observador imparcial a gravar, com um olhar voyeur, o que está ao seu redor. É óbvio que estará sempre mais perto da escola realista, por ventura fruto da observação directa.

 
 

Hernâni de Lemos Figueiredo

©Hernâni de Lemos Figueiredo (2013)

Programador Cultural

Alenquer, 19 de Outubro de 2013

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