Entrevista a… Rui Zink, o “agent provocateur” que quer continuar na moda

Entrevista a… Rui Zink, o “agent provocateur” que quer continuar na moda

01/11/2001 0 Por hernani

Entrevista a…

Rui Zink, o “agent provocateur” que quer continuar na moda

          “Ora. O óbvio. É evidente que o homem está cansado. O homem quer morrer. Mas aí é que ele se lixa. Só morre quando eu deixar. Não agora, sozinho, como ele quer. Mais logo. Ao mesmo tempo que todos. Bem juntinhos, nessa derradeira celebração da humanidade. Que bonito.”

in Rui Zink (Apocalipse Nau)

“O pior que pode acontecer a um escritor é amaneirar-se, deixar que a sua voz soe a falso, ainda que possa ser um belo falsete”. Foi assim que Rui Zink se referiu a Eduardo Brum, na apresentação de um seu livro (Sem Coração). Rui Zink deslocou-se Alenquer, em 9 de Fevereiro de 2001, para participar num colóquio, na Biblioteca Municipal e, realmente, a sua voz nunca soou a falso mas, as suas “poses” pareceram fruto de muitas horas em frente ao espelho. Toda a sua participação denotou uma falta de naturalidade Desempenhou bem o seu papel de profissional do “show bis”.




Rui Zink_1Comunicador por excelência, já participou em milhentos projectos e é opinião generalizada que tudo aquilo em que põe a sua assinatura tem a marca da heterodoxia e da originalidade, como se pode exemplificar com a organização da “Pornex”, nos anos 80, na Universidade Nova de Lisboa, uma exposição pornográfica, onde a sua porta de entrada era uma vagina gigante, e do programa televisivo “Noite da Má Língua” onde, como seu criador, se sentiu como “comandante da sátira”.

Marco inquestionável: nos colóquios realizados na Biblioteca Municipal de Alenquer: a passagem de figuras ímpares do meio intelectual português, como Amadeu Rodrigues Torres, Alçada Baptista, Arons de Carvalho, Baptista Bastos, Carlos Monjardino, Camacho Costa, Carmem Dolores, Daniel Sampaio, Fernando Campos, Helena Vaz da Silva, Iva Delgado, João Mota, Joaquim Veríssimo Serrão, Lídia Jorge, Maria Alberta Menéres, Maria do Céu Guerra, Maria de Lourdes Amorim, Mário Ruivo, Mário Soares, Ramalho Eanes, Ribeiro Teles, Rita Ferro, Rui de Carvalho, Rui Mendes, Urbano Tavares Rodrigues, Vasco Lourenço e muitos outros. Nenhum, como Rui Zink, num tom que pareceu provocatório, “disparou” tanto para onde estava virado mas encheu o auditório como não aconteceu com muitas das individualidades acima citadas. Enfim, nós Alenquerenses, também tivemos o nosso “Big Brother”, onde verificamos que o “agent provocateur” quer continuar na moda.

Que balanço fez dos programas “Noite da Má Língua” e “Cantigas de Mal Dizer”?
O programa “Cantigas de Mal Dizer” foi giro por estar lá no Casino Estoril, ao pé das raparigas. O ter o meu pequeno camarim ao lado do camarim delas, foi muito educativo. Mas, uma coisa que eu acho que foi inteligente, divertida e provocadora, no bom sentido da palavra, foi o programa “A Noite da Má Língua”. Foi uma experiência engraçada e que me deixou saudades.

Numa entrevista, Júlia Pinheiro disse que o Rui Zink não era amigo de ninguém e foi o único da esquerda que se safou.
Conhecia vagamente a Júlia Pinheiro e o Miguel Esteves Cardoso, mas é evidente, a amizade deu-se depois. Entendo que, no programa, esse foi para mim o ponto mais educativo. Foi o demonstrar às pessoas que se podiam manter conversas acaloradamente sem um convencer o outro, mas respeitando-o. Eu não convenci o Manuel Serrão a ser da esquerda, nem ele me convenceu a ser da direita. Continuamos a ter opiniões diferentes, mas fomos capazes de beber juntos uns bons copos. É preciso ver que até 1995, não era evidente isso; geralmente inimigos políticos eram inimigos viscerais.

O ser considerado “extremamente inconveniente” e, enquanto estudante universitário, ter promovido uma exposição pornográfica, numa Faculdade de “miúdas queques”, foi o motivo para o convidarem a participar no programa “A Noite da Má Língua”?
Penso que sim. Em certa altura eles já não tinham muito mais gente para convidar.

A “Pornex” numa Faculdade de “meninas queques”, não foi um assunto sério tratado em tom de brincadeira?
Concordo, mas eu acho bem que se tratem os assuntos. Os assuntos sérios devem ser tratados em tom de brincadeira, e os assuntos levianos devem ser tratados muito seriamente. Agora toda a gente conhece a definição de pornografia, mas provámos que, na altura, ninguém sabia o que era. Foi engraçado verificar que aquilo foi “uma montanha que pariu um rato”. Nós, simplesmente lançamos uma pedra, depois as pessoas é que fizeram o turbilhão à volta. Portanto, nessa exposição que já lá vai há dezassete anos, o espectáculo foi proporcionado pelas próprias pessoas. Naquela faculdade organizei debates, diversas exposições de instrumentos musicais e de pintura. Rio-me quando ouço dizer “tarado sexual”. Eu não, porque eu ia a todas. Os professores e os estudantes é que só foram aquela que, por sinal, até mereceu a intervenção da “igreja”. Repare que a igreja, como qualquer instituição, vive no tempo, no seu tempo, o que representa é eterno, mas a igreja é feita de pessoas concretas e, se reparar bem, aquilo que nós fizemos, há muitos anos, na PORNEX, hoje em dia passa à hora dos telejornais. Nunca nos passaria pela cabeça que a televisão fundada para referenciar a igreja, viesse a passar filmes eróticos e viesse a ter um “Big Brother”.

“Pornex, o Livro” foi o seguimento lógico da exposição?
Foi uma nova brincadeira. Como nós chamamos é um livro sem nexo e sem nenhum sexo. Tem a ver com a exposição, é um resumo, mas um resumo das ideias. O que eu queria sempre era debater as ideias, era brincar com as ideias e, naquela altura, o sexo mexia muito mais com a sociedade do que hoje.

Como reage quando o identificam como um “agent provocateur”?
Fico lisonjeado, mas acho que não mereço. A minha vida é muito mais banal. Tenho conhecimento e fico lisonjeado e aceito com sendo um elogio. Mas esse é sempre o paradoxo que eu posso ser o provocador em algumas ideias, suponho, mas na minha vida privada, sou o mais banal possível. Sou banal, pago impostos, não insulto as pessoas na rua e penso que sou relativamente bom pai.

Nunca pensou em ter uma intervenção marcante na política?
No sentido de ficar profissionalizado, não, mas desde muito novo, tenho intervido politicamente, isto é, quando chega uma campanha eleitoral, posso ou não apoiar o candidato mas tenho uma opinião sobre o que se passa. Nesse sentido, sou político e serei sempre até o fim da vida. Agora político profissionalizado, não.

Em determinada altura vestiu a “pele” de padre para confessar os líderes do PS, PSD e PP. Como “Pastor” não tratou por igual todas as ovelhas do seu rebanho. Não acha discriminatório não ouvir, também, em “confissão” os líderes do PCP, MRPP ou do BE?
Os líderes do PS, do PSD e do PP têm algo em comum: são partidos com ambição de poder, são partidos que desde 74 estão ou estiveram no poder. O PC, esteve num período muito curto, mas não é, obviamente, um partido de poder, isto é, sabemos que a ambição do PC não é ir para o governo, nem é a ambição do MRPP, penso eu, portanto daí a separar ao partidos que têm uma intervenção cívica e os partidos que, para além de terem também essa intervenção cívica, eventualmente têm uma ambição de poder. Depois, penso que é um erro crasso do Bloco de Esquerda, com o qual às vezes simpatizo, em estar em conflito com o PC, mas esta acção foi feita no âmbito de uma campanha partidária que eu apoiei.

Uma vez, com tom de feirante, leiloou por “uma pipa de massa” a Caixa Geral de Depósitos e a TAP e vendeu uma máquina calculadora usada por Guterres e Sousa Franco. Ganhou muito dinheiro com estas operações?
O suficiente para, neste momento, ser accionista da PT-Portugal Telecom, ser sócio accionista da EDP e ter uma quota num jornal…

Como vê o ensino em Portugal?
O ensino em Portugal, é o que se vê. Os professores para serem competentes têm que ser certos. Acho que devia-se alterar esta situação.

É professor numa Universidade, já foi leitor de português na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, em 1990, é escritor e criador, entre muitas outras actividades tidas como intelectuais. Qual a relação com os seus alunos?
Geralmente é boa, mas eles é que devem dizer se gostam ou não. Eu gosto muito de dar aulas, gosto e respeito muito os meus alunos.

Introduziu em Portugal os cursos de “Escrita Criativa”. Quais são as suas particularidades mais marcantes?
Não se ensina ninguém a ser artista mas pode-se sugerir às pessoas algumas aulas de ginástica. É o princípio semelhante ao do atletismo, ao da música, ou da pintura. O saber não ocupa lugar, e nunca fez mal a ninguém aprender alguns truques de ginástica.

Como é escrever textos para cafés-concerto e animações de rua?
Eu gosto, porque acho que a literatura não se esgota no papel.

Quer comentar o feminismo?
Respeito muito o feminismo. As mulheres só votam na Europa há menos de 50 anos; só agora é que começam a ocupar cargos de chefia; é preciso ver que, até ao 25 de Abril, uma mulher que fosse apanhada na cama com o amante, legalmente podia levar um tiro do marido, o contrário não era aceitável. O que se vê agora é um paradoxo: hoje em dia quem beneficia do feminismo é uma classe social que não necessita dele, e em contrapartida, a classe social que mais precisa dele continua a não beneficiar nada com isso.

José de Vilhena?
Sem ele não haveria boa escrita em Portugal. Sem ele não haveria, mensalmente, em Portugal uma “revista de humor”. Uma pessoa pode gostar ou não gostar do que ele faz, mas se ele não existisse, seriamos o único país da Europa sem uma revista humorística.

PERFIL

Rui Zink_2“Não se preocupem. Acabei mesmo por sair do hospital. Fiquei boa. Uma pessoa com estudos diria talvez: você não ficou bom, D. Idalina, você sempre foi boa.”

in Rui Zink(A Arte Suprema)

Rui Zink nasceu em Lisboa em 1961. Professor universitário, licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; foi leitor de português na Universidade de Michigan, U.S.A, em 1990; foi o primeiro em Portugal a fazer uma tese de doutoramento sobre Banda Desenhada; introduziu no nosso país a Escrita Criativa; ficcionista e escritor de culto das camadas mais jovens.

Obra Publicada:

    Ficção:
    Hotel Lusitano, 1987 (romance)
    A Realidade agora a Cores, 1988 (contos)
    Homens Aranhas, 1994 (contos)
    Apocalipse Nau, 1996 (romance)
    A Arte Suprema, 1997 (c/António Jorge Gonçalves)
    A Espera, 1998 (novela)
    A Realidade agora a Cores – Re-mix, 1999 (contos)
    O Halo Casto, 2000 (BD, c/Luís Louro)
    O Suplente, 2000 (romance)

    Ensaios:
    Pornex, o Livro, 1984 (ensaio-ficção)
    Literatura Gráfica? 1999
    Humor de Bolso de José Vilhena, 2001

    Teatro:
    A Banana Electrónica, 1985 (c/ o grupo Felizes da Fé)
    50.000 Acontecimentos Urbanos, 1985-2000 (c/ o grupo Felizes da Fé)
    O Sol da Terra, 1994 (c/ o grupo Felizes da Fé)
    A vida de um Morto, 1995
    Anjinhos, 1998
    Odionildizelâve, 1999 (c/Carlos Curto)
    SubVersões, 2000 (c/Carlos Curto)
    A Realidade a Cores, 2000

    Vários textos para café-concerto e happenings, como o espectáculo Vida e Obra de Francisco Zappa (1985)
    Vários textos para animações de rua com o grupo Felizes da Fé.
    Criador do programa “Noite da Má Língua”.



Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2001)

diretor do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer de 1 de Novembro de 2001, p. 24 e 25


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