Entrevista a… Prof. Amadeu Torres

Entrevista a… Prof. Amadeu Torres

01/07/2000 0 Por hernani

Sessão evocativa da memória de Damião de Goes

Entrevista a… Prof. Amadeu Torres

“Damião de Goes correu a Europa e eu fui atrás dele. Nos lugares onde ele esteve, eu estive também. Encontrei manuscritos, cartas, autógrafos, que me diziam já não existirem”

Amadeu_Torres

 

Aproveitando a sua vinda a Alenquer, no passado dia 10 de Junho de 2000, para tomar parte na sessão evocativa da memória de Damião de Goes, o Prof. Doutor Cónego Amadeu Rodrigues Torres, no seio dos poetas Castro Gil, nascido em 1924 em Vila de Punhe, Viana do Castelo, prontificou-se a dar uma pequena entrevista ao Jornal D’Alenquer, antes mesmo do início do colóquio para o qual foi o convidado principal.

Amadeu Torres ou Castro Gil, como se sente melhor? e afinal quem é um e quem é o outro?
Sinto-me bem com ambos. Nas prosas costumo assinar Amadeu Torres, nas obras em verso assino Castro Gil ou os dois. Comecei a usar o pseudónimo quando era estudante, para manter o anonimato e cheguei a usar quatro ou cinco diferentes, como Aires das Neves e Costa Lobo, mas o que ficou foi este.

Tem obras publicadas com esses nomes?
Não, só em jornais. Os primeiros livros foram só Castro Gil, quer em prosa quer em verso, mas agora costumo usar os dois em verso.

Pela necessidade de dar nome a coisas e factos que anteriormente se desconheciam, muito por culpa da vivência com outras civilizações, contacto permitido pelos Descobrimentos, houve necessidade de numerosas inserções lexicais, o que para os “puristas” da língua portuguesa deveriam ter causado ondas de indignação. Neste contexto, o senhor é um “resistente às teorizações” ou um “homo academicus”?
Todos os escritores que conheçam bem as raízes da língua portuguesa, que são o latim e o grego, podem construir palavras novas quando são necessárias. Assim fazia Eça de Queiroz e outros escritores. De vez em quando tenho criado uma ou outra nova. Provoca um certo “escândalo” mas depois acaba por ser adoptada. Algumas vezes tenho feito isso, porque o léxico é um sistema aberto da língua, ao passo que a gramática não, é um sistema fechado, não se pode inventar. No léxico desde que as palavras vistam a nossa forma lusitana, pode-se fazer. Todos os escritores fazem isso.

Quando escreve em latim é pura tradução, ou pensa mesmo em latim?
Alguns poemas que eu criei em latim, normalmente são primeiro pensadas em português, no esqueleto, mas quando começo a escrever já sai em latim. O primeiro que eu fiz, foi num congresso em Lovaine, em 1971. Gostaram muito, foi um poema em que eu saudei os convidados em latim, e o Congresso Internacional era em latim.

Góis ou Goes?
Historicamente é com oe. Modernamente, desde o acordo de 1945, de Rebelo Gonçalves, passou a escrever-se com ói. Mas pode-se escrever com oe, olhando à tradição. Eu costumo escrever com ói.

Em 1971 é membro da Association International d’ Études Neolatins, de Lovaine; em 1973 tira a licenciatura de Filologia Clássica onde, como tese, apresenta “Damião de Goes e o Ciceronianismo”; em 1975/76 frequentou cursos complementares de linguística em Lovaine; em 1980 é membro do “Centre Linguistique de Lovain” e faz o doutoramento em Filologia Clássica onde apresenta como tese “Noese e crise na Epistolografia Latina Goisiana” (2 volumes). Nota-se que a anteceder a licenciatura ou o doutoramento, passou sempre por Lovaine. Lovaine teve assim tanta importância no seu trabalho goesiano?
Em Louvaine trabalhei na biblioteca durante vários anos, quando estava a fazer a tese. Damião de Goes viveu lá e foi lá que casou, mas quem influenciou a minha obra, quando era estudante na Universidade de Coimbra e antes de andar aqui por Alenquer, foi o professor Luís Reis Santos, o mesmo que em Viseu deixou aqueles museus. Era professor de arte, sobretudo de pintura, e Damião de Goes tinha oferecido muitos quadros para Alenquer e para outras igrejas de Lisboa. Como precisava de interpretar cartas latinas, e não sabia latim, através de outro prof. de Coimbra, bateu-me à porta para eu fazer a tradução das cartas de Damião de Goes (estão publicadas). A partir daí, ainda estudante, comecei a interessar-me por Damião de Goes e então guardei todas as cartas que traduzira. Passados anos, quando me matriculei na Universidade de Lisboa e acabei o curso, escrevi-lhe: “as cartas que me deu para traduzir, posso usá-las para a minha tese?” Disse ele: são poucas mas pode usá-las à vontade”. Respondi-lhe: “não faz mal nenhum pois já tinha encontrado outras, por essa Europa”.

É muito viajado?
Damião de Goes correu a Europa e eu fui atrás dele. Nos lugares onde ele esteve, eu estive também. Encontrei manuscritos, cartas, autógrafos, que me diziam já não existirem. Eu também sempre disse: “é possível que ainda exista mais alguma”, e encontrei trinta e tal. Entre elas cartas escritas pelo secretário, mas assinadas por ele.

O “português” é uma língua de afecto e de liberdade?
Claro, e o próprio Damião de Goes foi um dos que lutou mais pela liberdade da escrita e da expressão, quer falada quer coloquial, quer através dos homens. E foi por isso que ele foi perseguido e foi morto.
Eis a questão

Conhecem já os homens, porventura,
Onde habita a alegria verdadeira,
Para já irem todos à procura
Desse encanto de sonho e luz fagueira?

Não é assim tão difícil a carreira
Nem é preciso andar por noite escura
– Para encontrar a fada prazenteira
Que nimba o rosto de uma auréola pura.

Tanta gente que ri contra vontade
Sua e tressua a esconder a verdade,
Sem ser, ao cabo, de fingir capaz,

Forçando o ricto em vibrações serenas…
E, afinal, a alegria é isto apenas:
– O desdobrar de uma consciência em paz.

      1.                   in Castro Gil, “O meu caminho é este”, 1948

 

PERFIL
Prof. Doutor Cónego Amadeu Rodrigues Torres, nasceu em Vila de Punhe, Viana do Castelo, em 1924. Foi galardoado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo com o título de “Cidadão de Mérito” por em 1997/1998 ser considerado um dos ilustres vianenses que honraram, prestigiaram e promoveram aquela cidade. Professor catedrático, poeta em vernáculo e em latim, escritor e linguista.
Frequentou os seminários de Braga, sendo ordenado sacerdote em 1957.
Exerceu os cargos de oficial da Secretaria Arquiepiscopal, de docente de Humanidades e de Filosofia no Colégio Missionário das Franciscanas Missionárias de Maria, nos Colégios Teresiano, no do Sagrado Coração de Maria e D. Diogo de Sousa, e ainda no Seminário Conciliar de Estudos Eclesiásticos, e Externato Liceal Bracara Augusta, do qual foi co-fundador.
Possui a licenciatura em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa, e a licenciatura e o doutoramento em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa.
Fez o concurso para professor associado em 1985 e o de agregação para catedrático em 1988 na área da linguística.
É professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa (Faculdade de Filosofia de Braga), onde é responsável, desde há quase trinta anos, pelas cadeiras de Sintaxe e Semântica do Português e História da Língua Portuguesa, e professor catedrático convidado da Universidade do Minho onde já leccionou Fonética e Morfologia do Português e História da Língua Portuguesa, e regeu, desde 1978 até 1995, a cadeira de Sintaxe e Semântica do Português.
Em ambas as universidades, no curso de mestrado, lecciona a cadeira de Crítica Textual e Ecdótica, assim como noutras, inclusive a da Madeira.
Frequentou diversos cursos complementares, sendo de salientar, em 1970 e 1972, o de Pedagogia, Gramática e Linguística, e o de Língua e Literatura Francesa respectivamente, nos cursos de verão da Sorbonne e do Instituto Católico de Paris; em 1975 e 1976, os de Linguística e Computador, e Linguística e Informática, no CETEDOC da Universidade de Lovaina; em 1977, o de Estatística Linguística, na Universidade de Estrasburgo; em 1986, o de Linguística e Gramática, na Universidade de Lille III; em 1989, o de Introdução à Micro-lnformática, na Universidade do Minho e, em 1991/1992, o de Língua e Cultura Chinesas, na Universidade do Minho, de interesse especial para a Sintaxe e Semântica das línguas do ocidente europeu.

É autor de muitas poesias dispersas por folhas literárias e outras publicações do género, utilizando, por vezes, o pseudónimo de Castro Gil, sendo de assinalar a sua intensa colaboração com trabalhos universitários e literários reveladores de grande erudição e cultura, em revistas como: Revista Portuguesa de Filosofia, Theologica, Humanitas, Euphrosyne, Diacrítica, Biblos, Didaskalia, Arquivos do Centro Cultural Português (Paris), Confluência (Rio de Janeiro), Anais (Academia Portuguesa da História), Revista Portuguesa de Humanidades, Anais (Academia das Ciências de Lisboa), Revista Portuguesa de Educação, Nova Renascença, Itinerarium, Hermes Americanus (USA), Bracara Augusta, Cenáculo, etc.; e em jornais, entre eles Novidades, O Comércio do Porto, Diário do Minho, Correio do Minho, Notícias de Viana, A Aurora do Lima, A Voz, Época, Diário Ilustrado, etc.

Da sua carreira literária e como investigador ressaltam o Prémio Nacional em poesia heróica nos jogos florais da Emissora Nacional em 1948, com o poema – O Sonho de um Castelo; o Prémio Laranjo Coelho da Academia das Ciências de Lisboa, concedido em 1984 à sua tese de doutoramento; e o Prémio Calouste Gulbenkian da Academia Portuguesa da História, outorgado em 1996 à sua edição da Gramática Filosófica da Língua Portuguesa.

Amadeu Torres tem participado em muitos congressos no país e no estrangeiro, e é membro das seguintes instituições: Société de Linguistique Romane, de Paris, desde 1978; Société de Linguistique de Paris, desde 1982; Associação Portuguesa de Linguística, de Lisboa, desde a sua criação em 1984 e da qual é sócio fundador; Centre Linguistique de Louvain, de Louvain – La Neuve, desde 1980; The Renaissance Society of America, de Nova lorque, desde 1981; Centre d’Études Supérieures de la Renaissance, de Tours, desde 1981; The Sixteenth Century Studies Conference, de Missouri, desde 1982; Associação Internacional de Camonistas, de Coimbra, desde 1980; Centro de Estudos Portugueses, da Universidade do Minho, desde 1980; International Society for the History, of Rhetoric, criada em Zurique em 1977, desde 1985; Association Guillaume Budé, de Paris, desde 1968; Association Internacionale des Études Neolatines, de Lovaina, desde 1971; Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, de Coimbra, desde 1980; Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, de Lisboa, desde 1985; Academia Portuguesa da História, de Lisboa, desde 1983; União Latina e Associação Internacional de Terminologia (Infoterm), de Paris, desde 1992 e Academia Latinitati Fovendae, de Roma, desde 1996.

Obras principais:
O Meu Caminho é Este (poesia), 1948; Sá Carneiro, Miguel Torga e José Régio : Três Atitudes Perante a Vida (ensaio), 1949; O Sonho de um Castelo (poema heróico), 1965; Antologia Literária (sécs. XVII, XVIII e XIX), 3 vols.,1965, 1968, 1969 ( adoptada nos liceus de todo o território português de então); Conceito de apxn no Livro da Metafísica de Aristóteles (dissertação de licenciatura em Filosofia), 1971; Damião de Góis e o Ciceronianismo (tese de licenciatura em Filologia Clássica), 1973; Noese e Crise na Epistolografia Latina Goisiana (tese de doutoramento em Filologia Clássica), 2 vols., 1982; Carmen Fatímale (poema latino em oito línguas), 1982; Carmen Hemisaeculare (poema latino), 1986; Jubilaei Carmen (poema latino), 1993; Gramática Fílosófica da Língua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar – 1783 (reprodução facsimilada da edição princeps, com introdução e notas críticas), 1996; Gramática e Linguística (ensaio e outros estudos), 1998.

VER TAMBÉM
– Sessão evocativa da memória de Damião de Goes
– Intervenção do Eng. Francisco Goes, representante de Damião de Goês
– Intervenção do Padre José Eduardo Martins
– Entrevista a… Amadeu Torres (Você está aqui)
– A estátua de Damião de Goes
– José Núncio, escultor da estátua de Damião de Goes
– Entrevista a… Carlos Bernardino Leite, fundidor da estátua de Damião de Goes
– Sr. Ministro da Cultura: por favor, demita-se

 

Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2000)

diretor do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer de 1 de Julho de 2000, p. 4 a 7

 

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