Encontro com… HERNÂNI CARVALHO

Encontro com… HERNÂNI CARVALHO

01/02/2000 0 Por hernani

Na Biblioteca Municipal de Alenquer

Encontro com… HERNÂNI CARVALHO

A cooperação com Timor Loro Sae

Em 1975, antes da invasão, vem a Portugal o delegado dos Negócios Estrangeiros da Indonésia que põe as questões tão transparentes quanto isto: “Os senhores ou tomam conta daquilo, ou nós invadimos”. E tanto quanto sei e tanto quanto a história conta…

Hernâni Carvalho denuncia em Alenquer o “negócio” Timor Loro Sae

Foi na noite de 14 de Janeiro, pelas 21:30 horas que o Auditório da Biblioteca Municipal de Alenquer encheu para receber Hernâni Carvalho. Assistência interessada e participativa mostrou-se mais uma vez sensibilizada para o problema TIMOR e ouviu aquilo que com certeza não estaria à espera.
Quando foi preciso que a Fragata Vasco da Gama chegasse a DILI não foi, porque tinha de ir ao Porto fazer continência ao Presidente da República.
A fragata portuguesa chegou com um mês de atraso. Porque, em vez de a mandarem daqui para Macau, que ainda era território português, ficou em Portugal à espera de autorização para entrar em Timor. Se estivesse em Macau, à espera de autorização para avançar para Timor, ganhava um mês, porque é um mês o tempo que demorou a fragata a ir de Lisboa a Timor. Mas o oficial que mandou a fragata para o Porto, se a tivesse mandado para Timor, se calhar hoje tinha menos uma estrela
Timor é um exemplo da não colonização portuguesa, pois ficava muito longe e era para onde iam os restos da sociedade portuguesa, mesmo da sociedade portuguesa do Estado Novo. Os deportados de primeira água ficavam pelo Atlântico e a Timor só chegavam os deportados de segunda água.
Timor ficou sempre muito aquém do protótipo de colónia, pois nunca teve mais do que duas a três mil pessoas do continente português. A nossa colonização não foi tão intensa como nas outras colónias.
A seguir à II Grande Guerra, a administração portuguesa fez coisas fabulosas, como por exemplo, oferecer lugares de chefia a pessoas de profissões manuais, como por exemplo, Chefias de Divisão a carpinteiros e a pedreiros.
Em 1975, antes da invasão, vem a Portugal o delegado dos Negócios Estrangeiros da Indonésia que põe as questões tão transparentes quanto isto: “Os senhores ou tomam conta daquilo, ou nós invadimos”. E tanto quanto sei e tanto quanto a história conta… Se levarmos em linha de conta o empenhamento americano na região; se levarmos em linha de conta que os Filipinos já caminhavam para a independência e que os Estados Unidos saiam de uma derrota histórica na zona, e que havia a ameaça do avanço comunista no terreno, (pois era assim que na época se relatava o acontecimento), naquela altura os E.U. precisavam de garantir uma observação no território, pois uma ameaça comunista naquela local não dava jeito.
Em plena Guerra Fria, foi a China que avançou com equipamento militar, foi a China que avançou com outros apoios. Só com a intervenção diplomática dos E.U., a China recuou e então disse: “Meus senhores, nós damos-lhes o material mas não o podemos levar aí. Venham vocês cá buscá-lo”. É óbvio que um país que acaba de nascer, não tem estruturas e não pode ir buscar nada a lado nenhum.
A verdade é esta: desde que o Sr. Bill Clinton é Presidente dos Estados Unidos foram gastos quatrocentos milhões de contos em armamento, entregue à Indonésia. Quando o Senado norte-americano proibiu o Pentágono de dar formação militar aos oficiais indonésios, o próprio Pentágono resolveu o problema: o programa que estava em curso era, quando os oficiais indonésios iam de Jacarta para os E.U. receber formação militar; o Congresso proibiu o Pentágono de fazer isto e o Pentágono criou um novo programa que era os americanos irem Iá dar formação militar na própria Indonésia. Depois do massacre de Dili, o comandante do Copaso esteve nove meses nos E.U. em West Point.
Tenho documentos escritos, que irei publicar, e nesses documentos ficamos a saber, por exemplo, que as Milícias, ao contrário do que se fez crer, todas elas tinham cinco homens dos serviços secretos indonésios e cada uma delas tinha o que se chama, pomposamente, um assessor militar. Isto quer dizer que todas as Milícias tinham incorporado um agente dos serviços secretos norte-americanos.
Timor está a leilão: ou Singapura, com os dólares de Singapura que depende das rupias indonésias ou o dólar australiano. Estas coisas decidem-se ao nível económico e a este nível: ou o dólar de Singapura, ou a rupia ou o escudo. Timor só será Nação Livre se Portugal e a Indonésia se aliarem com engenho e arte a favor de Timor.
Não tenhamos ideias, já perdemos o campeonato. Em termos culturais, a nossa sorte é que a igreja católica também existe em Portugal.
Na cooperação, temos observado algumas asneiras. As contundentes críticas que tenho a fazer ao Dr. José Júlio Pereira Gomes e ao Dr. António Gamito, que eram os chefes da missão portuguesa em Timor Leste, quando se deu o massacre de Timor. E este deu-se nas semanas em que estivemos lá. Estes dois homens são culpabilizados não só por nós jornalistas que estávamos lá e éramos quatro, mas também são culpabilizados por qualquer consciência média que observasse os actos que eles cometeram. E é simples: pôr em risco a vida de homens, depois de lá estarem durante seis meses a dizer-lhes que lhe garantiam a vida, é crime; dizer aos jornalistas portugueses que tinham um plano fabuloso de evacuação caso isto desse para o torto, e depois dizerem que o nosso plano de evacuação era irmos com os australianos; mesmo que os jornalistas portugueses soubessem que o embaixador australiano tinha fugido aos tiros, é crime.
O que eu digo é que a diplomacia portuguesa fez um trabalho fabuloso porque conseguiu que os timorenses chegassem ao estado a que chegaram, sem prejuízo das críticas que aqui faço a estes dois homens. Digo o nome deles porque quer eu, quer os outros jornalistas que lá ficamos, ainda estamos à espera de ser processados, porque em Portugal quando se diz mal doutro indivíduo, processa-se e lava-se daí a sua honra. Nós queremos ser processados. Passamos a vida a dizer mal deles e não há maneira de eles nos processarem. Ia-me dar um certo gozo pessoal provar em tribunal o que um diplomata fez, especialmente porque ele traiu a Pátria. Porque abandonar um sítio, onde seria suposto representar Portugal e querer fugir de lá é trair a Pátria.
Mandámos para lá um senhor que se chama Rui Silva e que é o chefe da Missão Portuguesa em Timor, representante do Padre Victor Milícias, que oferece jantares de cento e vinte lagostas na Missão Portuguesa, em Dili, com os timorenses sem arroz para comer. Isto é, na cidade de Dili os timorenses morriam de fome e o senhor Rui Silva oferecia almoços requintados. Por isso, é que o Padre Victor Milícias pedia para eu não falar em público antes de falar comigo.
A Márcia Rodrigues da RTP pôs uma peça no ar e a partir daí o Padre Victor Milícias ganhou-lhe antipatia, porque ela em vez de mostrar o Padre a andar armado em “Pai Natal”, mostrou os australianos da INTERFET a dar prendas às criancinhas.
Em Portugal, um homem que tem as mãos limpas sobre Timor é D. Duarte Pio, Duque de Bragança. Mas tiveram medo que ele fosse coroado Rei de Portugal.
O momento de maior emoção foi quando um velho me levou para um quintal e junto de uma árvore escavou um buraco e tirou uma velha caixa com a bandeira nacional lá dentro e disse: “Esta, eles não queimaram”. Ou quando na praia se avistava na linha do horizonte, lá bem longe, a silhueta da Fragata Vasco da Gama e os timorenses, com os braços, diziam adeus, havendo mesmo um ancião que, rodeado de muita gente, disse que era aquela pois ele bem a conhecia, visto já ter estado dentro dela há cerca de 30 anos.

Hernâni Manuel Marques de Carvalho, 39 anos, ingressou nos quadros da RTP em 1982. Actualmente integra a equipa do Telejornal do Canal 1 onde se dedica às áreas da Defesa e Administração Interna.
Bósnia, Honduras e Timor foram as últimas reportagens que fez no exterior. Na RTP já fez de tudo um pouco. Desde Agenda à Grande Reportagem.
Durante muito tempo integrou a equipa dos jornais de fim-de-semana (Jornal de Sábado e Jornal de Domingo). Foi co-produtor e jornalista do programa de grande informação “Coisas da Vida”. No 24 Horas fez durante 6 anos consecutivos política nacional.
Ao longo da década de 80, fez essencialmente jornalismo de rádio e foi, simultaneamente, correspondente de vários jornais internacionais.
Estudou Psicologia mas a sua Tese de Doutoramento é na área da Sociologia – “O Não Sacerdócio das Mulheres no Cristianismo”. Actualmente cursa Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Com apurado gosto pela comunicação, além da docência, tem participado em inúmeras conferências como orador convidado. A última das quais foi no Instituto de Altos Estudos Militares – “Timor Século XXI que Futuro”.
(Texto retirado do folheto do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Alenquer)



Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2000)

Director do Jornal D’Alenquer

in Jornal D’Alenquer, 1 de Fevereiro de 2000, p. 13


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