Alenquer, “realidade neptuniana”

Alenquer, “realidade neptuniana”

01/03/2003 0 Por hernani

Alenquer, “realidade neptuniana”

“Se uma comunidade for governada pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objecto de vergonha; se uma comunidade não for governada pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias serão objecto de vergonha”. (Confúcio)

Em Alenquer há três conjuntos de erros que consideramos relevantes: os “erros do poder”, que se podem resumir por sobranceria, por continuada ausência de ideias para o futuro (fora desta análise o trabalho de Jorge Riso), e pelas contínuas ameaças que faz àqueles que não concordam com a sua gestão; os “erros da oposição”, pela falta de solidariedade para com os seus pares, e pela ineficácia das suas acções de oposição; finalmente os “erros da população”, sobretudo pelo seu conformismo e ausência de participação na vida comunitária.
Na nossa perspectiva são vários os erros que o “poder” democraticamente instituído tem cometido ultimamente, e alguns deles perfeitamente evitáveis. Como as declarações do vereador do Trânsito acerca do parque de estacionamento da Rua Dr. Décio Soares Correia: ficamos sem saber se o parque é da Câmara se da Paróquia: se é da Câmara não se compreende porque é que este parque é a pagar e os outros dois são grátis; se é da Paróquia não se sabe porque razão as obras são por conta da Câmara, e os preços têm que ir a discussão na Assembleia Municipal, pois o que seria necessário é que se respeitasse um regulamento municipal de parqueamento. Ficamos a saber que obras como esta, “não comparticipadas com dinheiros do Estado”, estão isentas da afixação do número de licença, e que primeiro faz-se a obra e só depois se discutem as decisões técnicas e contratuais. É uma mal engendrada dialéctica, perfeitamente evitável se não houvesse o frenesim de apresentar serviço.
Como as declarações públicas do vereador do Turismo, quando diz que “a posição da Câmara e do PS de Alenquer é que a estratégia do PDM seja desenhada em função do turismo. (…) Alenquer é o destino turístico alternativo a Óbidos e a Sintra”. Mas em lugar de ir ver o que se passa em Óbidos e Sintra, foi ver uma feira a Madrid, sacrificando, com essa viagem, a participação nos trabalhos do Congresso de Braga, o que constituiu uma ingratidão para o Dr. Amadeu Torres, e uma deselegância para os Alenquerenses que têm acompanhado com fervor e interesse os acontecimentos relacionados com Damião de Goes. A representação da Câmara de Alenquer resumiu-se à inclusão do nome do vereador da Cultura na Comissão de Honra, e à presença do vereador do Turismo na Sessão Solene da abertura do congresso. Foi uma presença tão discreta que a nossa reportagem nem deu por ela. No nosso entender foi uma participação que “soube a pouco”.
Como as declarações de Evaristo Rodrigues, quando afirma a propósito da venda à Câmara, do edifício para o ATL da Merceana, pela Construtora Ideal do Oeste de que é proprietário: «dá a impressão que uma pessoa por ser presidente de uma Junta, ou por estar ligada a determinada área não pode sobreviver, não pode arrendar, não pode comprar, não pode fazer nada».
Como a postura passiva do presidente da Assembleia Municipal quando alguém em público, mesmo ao seu lado, e na presença de cerca de cem pessoas, diz: “este gajo corta a palavra às pessoas e só a dá quando lhe apetece. Mete coisas à votação sem antes serem discutidas. Não é uma assembleia normal: é de mortos. Ao meio estão os do PS que só sabem dizer que sim com a cabeça. Há um comunista do Carregado que fala muito e não diz nada; qualquer dia está no PS”.
Até às últimas eleições autárquicas a Oposição resumia-se ao voluntarismo de alguns elementos da CDU. Quando emergiu a candidatura de Nandin de Carvalho, surgiu uma vaga de esperança para aqueles que achavam que andar 28 anos a comer da mesma sopa já era tempo suficiente, o que causou algumas noites sem dormir aos responsáveis socialistas. Hoje volta a respirar-se um clima mais calmo, o que leva a que muitos conformistas pensem ter tudo voltado à “normalidade”, isto é, ao regresso ao clima onde se honra a incompetência e o compadrio, onde se promove a separação de Alenquerenses em bons e maus, consoante estejam perto ou longe da máquina socialista, e à ameaça com o Tribunal, algumas vezes concretizadas, aos munícipes que tenham a ousadia de “pensar alto” de modo diferente do instituído.
Qual o motivo desta viragem? É difícil atribuir uma só causa, mas com certeza produziu algum efeito a onda de boatos postos a circular, com profissionalismo e com origem perfeitamente perceptível, a denegrir Nandin de Carvalho, e que fez eco onde menos se esperaria: no grupo do PSD. Os novéis dirigentes demonstraram ter falta de maturidade política e de solidariedade para com os seus pares, ao emitirem um comunicado a desacreditar Nandin, o que deixou incomodado o eleitorado social-democrata, e deveras exultante de alegria o poder instituído. Essa falta de solidariedade voltou a ser visível quando a Câmara interpôs uma acção judicial contra Carlos Ferreira, elemento das listas do PSD da Assembleia de Freguesia de Santo Estêvão, e os vereadores do PSD votaram favoravelmente ao lado dos do PS.
Esta possível “entente” bloco-central já antes tinha funcionado bem na freguesia do Carregado: não compreendemos a constituição do actual elenco da Junta de Freguesia (cinco elementos do PS), onde não se vislumbra a representatividade que deveria ter o eleitorado social-democrata, a segunda força política mais votada na freguesia. O PSD ainda não explicou, ao seu eleitorado, qual o motivo desta situação.
Mas a Oposição tem continuado a cometer outros erros, como o deixar passar em branco as declarações de Evaristo Rodrigues (na nossa opinião existe matéria para perda de mandato).
No entanto, a culpa do actual quadro também pertence a parte da população, que é a principal vítima, pois esta situação é a resultante do seu abstencionismo em participar na vida colectiva. É certo que alguns dizem “eu não sou de cá, só vim ver a bola…” mas também é certo que beneficiam da participação dos restantes munícipes.
Este divórcio da população em participar na vida colectiva é perceptível a diversos níveis: para uns, embora não concordem com o actual quadro, no entanto têm medo de participar: denunciam situações de pôr os cabelos em pé ao mais calvo, que a ser verdade o que dizem, levaria muito boa gente à prisão; mas logo a seguir vem a frase lapidar: “se dizes que fui eu que disse, eu digo que é mentira”. Conformam-se ao “grupo dominante” em vez de exprimirem o seu juízo pessoal a partir da sua própria percepção.
Para outros é a relação “proteger/ser protegido” que predomina; é outra forma de conformismo. Quando se diz que “fulano é de fora e por isso não serve para presidente da Câmara” só porque o ouviu a um “mentor”, esse indivíduo está a ser conformista. Crutchfield diz que os conformistas têm um complexo de inferioridade maior que os outros, são indivíduos pouco inteligentes; por sua vez Le Bom diz que têm um raciocínio rudimentar, e que o seu comportamento é causado pela sugestão hipnótica e pela existência de mentores. Nestes casos, o indivíduo está sob uma pressão social visto ter medo de ser rejeitado pelo grupo, em virtude de um comportamento ou ideal diferentes. Sente-se, de algum modo, oprimido e, portanto, obrigado a conformar-se.
Uma Oposição ineficaz, neutralizada com mestria e sabedoria, de certeza não é a causa do nervosismo evidenciado pelo poder socialista. Sinceramente não conseguimos encontrar motivos para tal “estado de alma”; a não ser que seja pelas inspecções que a Câmara tem sido alvo ultimamente.
Henry David Thoreau interroga-se quando diz que leis injustas existem sempre: “devemos contentarmo-nos em obedecer-lhes ou esforçarmo-nos em corrigi-las?; obedecer-lhes até triunfarmos, ou transgredi-las desde logo?”; Luther King fez a sua escolha ao afirmar que “quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”.
Um dilema esta sociedade Alenquerense que poderia, muito bem, ser confrontada com um pensamento de Confúcio: “se uma comunidade for governada pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objecto de vergonha; se uma comunidade não for governada pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias serão objecto de vergonha”.
A realidade é real? A esta interrogação Paul Watzlawick responde que à primeira vista esta parece ser uma pergunta algo estranha porque decerto “a realidade é o que é. Para Carlos Pessoa, docente da “Lusófona”, toda aquela realidade que o nosso conhecimento do mundo não contempla é uma “realidade neptuniana”.

in Jornal D’Alenquer, 1 de Março de 2003
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2003)
director do Jornal D’Alenquer

 

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