Pequena “provocação cultural” à equipa de Pedro Folgado (PS), candidata à Câmara Municipal de Alenquer

Pequena “provocação cultural” à equipa de Pedro Folgado (PS), candidata à Câmara Municipal de Alenquer

12/06/2013 0 Por hernani

Autárquicas 2013: TOP SECRET (até ao acto eleitoral)

Pequena “provocação cultural” à equipa de Pedro Folgado (PS), candidata à Câmara Municipal de Alenquer

      • “A cultura das cidades é coisa de cidadãos, não da administração, como bastantes gestores públicos pensam, e uma esmagadora maioria de políticos. A cidade são as pessoas, todas as pessoas, os que nela vivem. E, também, os que nela sobrevivem”.

Toni Puig

“Temos a dizer que o tempo da cultura como instrumento dos governos já findou: ela tornou-se, na maior parte dos casos, o resultado de demonstrações Kitsch que são, no mínimo, muito pobres”.

António Pinto Ribeiro

Se historicamente a primeira época da cultura se identificou com o momento religioso-tradicional, de que as sociedades primitivas ofereceram o modelo puro de cultura, a segunda época, na Idade Moderna, coincidente com o nascimento das democracias modernas, foi o momento revolucionarista da cultura, portador dos valores de igualdade, de liberdade e de laicidade. Por fim, a terceira época, a actual, adquire o reinvestimento no presente e no curto prazo, e também a reabilitação do passado.

Na hipermodernidade o mundo enfrenta um facto novo, pois manifesta-se inseguro e destabilizado. Em suma, apresenta uma certa desorientação; não de um modo fortuito, mas quotidianamente e de maneira estrutural e crónica, onde as igrejas já não possuem aptidão para encaminhar as crenças e as práticas comuns, e os políticos e os partidos políticos são objecto de desconfiança e de descrédito; onde a indústria do imaginário e do consumo afigura-se como ameaça aos valores do espírito e da própria escola.

Se estas questões não fossem suficientes, a hipermodernidade ainda enfrenta uma série de outros problemas deveras significativos. Pelo menos três: primeiro, o desenvolvimento extraordinário da dimensão económica da cultura: hoje a cultura é pensada em termos de mercado, de racionalização e de rentabilidade; segundo, o capitalismo absorve, cada vez mais, a esfera cultural: a época hipermoderna colocou em órbita o “tudo é cultura”, e há um enleio cada vez mais forte entre capitalismo de consumo e cultura individualista; terceiro, a transformação da cultura numa esfera cada vez mais politizada e mediática: hoje nenhuma política cultural camarária, por mais insignificante que ela seja, dispensa o investimento em acções com impacto mediático e de autopromoção.

Apesar desta pequena introdução sobre o conceito de cultura, este vocábulo continua ainda a ser enigmático, ininteligível ou, na maioria das vezes, incompreendido. Peguemos nos três conceitos de Cultura de Eliot: se a cultura se refere ao desenvolvimento de um indivíduo, de um grupo ou classe, ou de toda uma sociedade. Para este autor, a cultura do indivíduo está dependente da cultura de um grupo ou classe, e que esta última cultura está dependente da cultura de toda a sociedade a que esse grupo ou classe pertence.

O conceito de cultura e de sociedade que o homem hipermoderno tem é fundamentalmente diferente daquele outro conceito de Matthew Arnold quando este dividiu a sociedade em três classes: Bárbaros, Filisteus e Populaça. Hoje, a hipermodernidade acaba por concluir que o individuo totalmente culto é uma quimera, pois procura-se a cultura não em qualquer indivíduo ou em qualquer grupo de individuos, mas sim na configuração da sociedade como um todo. Portanto, será esta cultura da sociedade que é fundamental.

Se, no mundo de ontem, a cultura era um plano de signos inconfundíveis, conduzidos pelas disputas simbólicas entre grupos sociais, que se constituíam em volta de pontos de referência sagrados e institucionais, nos nossos tempos hipermodernos, a produção cultural é fértil e ininterruptamente renovada, devido ao poder multiplicador da economia que se impõe como instância primeira da produção cultural. É a mercantilização integral da cultura, que se transfigurou num mundo cuja circunferência passou a estar em todo o lado e o centro em lado nenhum. É a cultura-mundo. É uma cultura que teve as primeiras formulações na Grécia dos filósofos, que se revelou no seio do cristianismo e que assumiu a sua maior expressividade na Europa das Luzes; que significa o fim das diferenças culturais tradicionais, e que é a glorificação da cultura mercantil que se apoderou da quase totalidade das actividades do homem. É a cultura alargada do capitalismo, do individualismo e da tecnociência. É a cultura global que estrutura de maneira nova e radical a relação do homem consigo próprio e com o seu semelhante, afectando todas as esferas da vida social e familiar.

A cultura apresenta-se como um sector deveres problemático. Mas, pela importância que paulatinamente vem manifestando no contexto de um paradigma de desenvolvimento humano integral, cada vez mais ela é o centro das políticas locais. Pelo que, a cultura que falo aqui é aquela que resulta da democratização cultural; aquele conceito que ouvimos falar pela primeira vez, no pós-guerra, a André Malraux, para justificar a intervenção do poder público na área cultural. É óbvio, que das quatro ideias desse conceito do ministro da Cultura de De Gaulle, a híper modernidade só aproveitou a primeira, a organização cultural do território e do equipamento cultural.

A acessibilidade é um conceito importantíssimo no processo de democratização cultural. E ela pode ser analisada de duas maneiras diferentes. Uma, na óptica da disponibilidade: criam-se equipamentos e apoiam-se grupos para que o produto cultural fique disponível. Outra, na óptica da limitação dos obstáculos que dificultam o acesso à cultura e aos equipamentos culturais: aos obstáculos materiais, como a questão dos custos, uma problemática medonha; aos obstáculos de ordem sociocultural, como a educação e o grau de escolaridade, razões que influenciam os hábitos de participação e de consumos culturais. Aqui, uma atenção muito especial será necessária para os não-públicos, essa camada da população que não faz uso dos equipamentos existentes.

Convém notar que a partir de 1980, em toda a Europa, passou a existir uma interposição importante nas fronteiras das artes clássicas e das artes menores. Que, a partir desse ano, o produto cultural industrializado começou a ocupar um lugar cada vez mais importante no modo de vida das pessoas. Que é a partir deste ano que um público “único” e global dá lugar à sua segmentação em diversos “públicos”, à diversidade do público, o que trás à superfície as dissemelhantes desigualdades de acesso à cultura. Que quando acontecia um aumento da frequência, ela estava essencialmente vinculada a três coisas: quanto mais alto era o grau de escolaridade, maior era o número de pessoas que frequentavam os equipamentos culturais; das pessoas que frequentavam os equipamentos culturais, aquelas com maior grau de escolaridade tinham tendência a aproveitar melhor a diversidade das ofertas culturais; que o crescimento da frequência aos monumentos históricos e museus estava ligado ao desenvolvimento do turismo.

O que até aqui deixei comentado já permite fazer uma pequena reflexão, sobre o que tem sido feito na democratização cultural, a partir de três eixos que considero importantes: O primeiro é que quando se disponibiliza uma oferta cultural diversificada, esta é sempre orientada para ser usufruída pelas classes mais privilegiadas da população, pois perante uma nova oferta quem vai aproveitá-la é sempre as pessoas que já têm um “desejo de cultura”. Isto devido à ausência de uma política de educação, de mediação e de comunicação apropriada, pois o “desejo de cultura” não é algo espontâneo, nem natural, mas alguma coisa que deve ser fruto de uma educação e de uma familiarização precoce. O segundo eixo importante é os factores de desigualdades provocados pela globalização da economia, especificamente a precariedade do emprego. A questão tornou-se muito complexa, pois hoje existe uma diversificada demonstração da existência de gritantes desigualdades de acesso à cultura; e não se pense que essa desigualdade se resume à oposição rico-pobre. O terceiro ponto, igualmente importante, a ser ponderado é a difusão pela internet; todas as questões da democratização cultural foram reflectidas particularmente a pensar nos equipamentos culturais; foi, mais que tudo, uma política orientada para a organização cultural do território. Mas hoje há uma espécie de utopia, em parte potenciada pela internet. Quer isto dizer que a oferta e a procura se relacionam, constituindo incontestavelmente uma oportunidade enorme para vários sectores culturais.

Mesmo considerando as três especificidades do poder local que actua na criação e a execução do programa cultural municipal, designadamente o consensualismo, o presidencialismo e a formulação de prioridades em patamares (aqui, a cultura, por norma, está na retaguarda desta relação), entendo que, hoje em dia, uma eficaz política de democratização cultural deverá privilegiar pelo menos três ideias prioritárias: A primeira é estabelecer como prioridades absolutas a educação e a mediação cultural; A segunda ideia é a programação do espaço cultural ser objectiva e clara, tanto em relação ao número de pessoas envolvidas, suficiente para uma boa operacionalidade do espaço, como em relação à qualidade do produto cultural a apresentar, como, ainda, quanto ao público a atingir; Por fim, a terceira ideia é a extrema importância de haver online uma política ambiciosa de oferta cultural de qualidade. Aqui, nos equipamentos culturais, as pessoas terão de se preocupar não só com o público mas, igualmente com as outras pessoas que podem não chegar fisicamente até si. E é bom lembrar que actualmente já existe um púbico consumidor de cultura online que poderá estar distante milhares de quilómetros. Estou a lembrar-me da importância da Biblioteca Municipal e do Museu Hipólito Cabaço poderem ter suportes digitais online independentes; não será recomendável estes suportes digitais estarem hospedados num mesmo portal centralizador, como o da Câmara Municipal de Alenquer, por exemplo.

Se considerarmos a cultura enquanto dimensão da política pública, ela não poderá ser entendida como mero sinónimo de diversão ou de entretenimento, mas antes como uma capacidade activa de cidadania, pelo que a autarquia deverá favorecer o carácter público e colectivo da cultura; inclusive, deverá assegurar a centralidade da cultura no conjunto das políticas locais, implicando toda a população num projecto cívico, enquanto agente participativo com propensão para transformar o concelho de Alenquer num autêntico propósito colectivo. A cultura não deverá ser considerada um luxo de alguns, mas sim um direito de todos, numa dinâmica de cidadania activa.

Não pode alicerçar-se a política cultural somente na promoção das artes e na protecção do património; e muito menos numa repetição asfixiante de organização de eventos e espectáculos avulsos. Igualmente não confundir política cultural com administração das actividades culturais, no sentido que se produz e programa a acção cultural, pois a administração local não produz, nem programa, cultura. Deverá apenas actuar estrategicamente nas outras áreas diferentes da criação: acessibilidade, democratização, desenvolvimento, distribuição, regulamentação, salvaguarda, sustentabilidade, etc.

Julgamos que a arte contempla em si formas inspiradoras de visões do mundo, tanto polémicas como não consensuais, pelo que em políticas culturais públicas ela deverá estar ausente da programação, deixando esse mister para a operacionalidade dos directores e programadores culturais responsáveis pelos equipamentos culturais públicos.

Um dos objectivos elementares das políticas públicas de cultura é o desenvolvimento do protagonismo cultural da sociedade civil, com o seu potencial e diversidade: população, artistas e criadores, grupos amadores, associações, indústrias culturais e criativas. Ao reduzir, ao mínimo, o protagonismo da Câmara Municipal enquanto produtor de cultura, evita-se a desconfiança que a cultura estará a ser instrumentalizada para fins eleitorais.

Julgo necessário a elaboração de um Plano Estratégico Cultural Municipal e a contratualização de um Programador Cultural como seu Comissário, durante o prazo da sua elaboração, que nunca poderá ser inferior a um ano.

Igualmente imprescindível será a criação de um órgão de partilha de informação e de recursos, a que poderíamos chamar “Conselho de Programação Cultural”, que poderia promover inquéritos à ocupação do tempo livre (preferências e consumos) e às práticas culturais da população; executar o diagnóstico sociocultural; criar bases de dados de artistas, produtores, associações culturais e grupos amadores locais; produzir estudos dos perfis dos públicos e dos equipamentos culturais e de públicos potenciais (não públicos); proceder à identificação de subculturas e formas artísticas marginalizadas (não dominantes), e à identificação de formas culturais e artísticas de minorias (emigrantes e residentes).

Exceptuando estas sugestões anteriores, não vou aqui elencar nenhum conjunto de áreas de intervenção ou de eventos possíveis, que obviamente seria extenso e facílimo fazê-lo; deixo principalmente o estímulo para uns quantos eixos e linhas orientadoras que julgo serem importantes não perder de vista na hora da definição dos objectivos e da estratégia da sua implementação no terreno.

Lembro também a pertinência da necessidade da tomada de alguns compromissos: entre muitos outros, o de seduzir artistas e criadores a comprometerem-se com o concelho de Alenquer; o de fomentar a existência dos espaços públicos e desenvolver o seu uso como lugares culturais de relação e de convivência; e, por último, o de incentivar o surgimento de ambientes de criatividade e de acarinhar a cultura cientifica e a cultura tecnológica.

Quase a terminar, mais uma vez aqui o digo, há que colocar a cultura no centro dos processos de desenvolvimento do município e das suas gentes. É isso que aconselha a organização mundial “Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) quando adopta a Agenda 21 da Cultura (A21C) como documento de referência dos seus programas em cultura.

E ainda: não confundir a cultura com a indústria do entretenimento, nem nunca esquecer que a Câmara Municipal não é uma entidade agenciadora de espectáculos; ela, por obrigação, é sim o garante dos direitos culturais dos seus munícipes, que fazem parte dos direitos humanos conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 1966, e a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural de 2001. Em todos eles, a liberdade cultural dos indivíduos e das comunidades é condição essencial. As pessoas não abdicam da sua liberdade de participação na sociedade, nem prescindem dos seus vínculos culturais, muitos deles ancestrais.

Como modelo de implementação/gestão dos equipamentos culturais, conforme foi sugerido, apraz-me mencionar uma série de medidas estruturantes e de acções que julgo pertinentes para o melhoramento da sua gestão:

Medidas Estruturantes:

    1. Criação da função de director para cada equipamento cultural;
    2. Criação de uma Rede de programação e de partilha dos recursos;
    3. Definir e publicitar as Missões e os Objectivos de cada equipamento cultural;
    4. Elaborar e publicitar os regulamentos internos de funcionamento e utilização de cada equipamento;
    5. Aprofundar e valorizar as relações entre Cultura e Educação, entre os agentes culturais e os agentes educativos.
    6. Criação de Planos de Comunicação para todos os equipamentos, fazendo uso das diversas técnicas, meios e suportes de comunicação, tendo em consideração que:
    • a. Comunicar implica escutar;
    • b. Os valores e atributos da marca cultural;
    • c. A continuidade em vez da intermitência.
    7. Criação de websites e ferramentas de comunicação interactivas para todos os equipamentos culturais.
    8. Organizar a gestão, a programação e a produção dos projectos culturais estruturantes, promovidos pelo executivo municipal, visando uma clara separação entre o poder político e a produção e programação cultural.

Acções:

    1. Dilatação dos horários de funcionamento;
    2. Dar plena autonomia criativa e de Programação e Gestão Cultural ao director do equipamento;
    3. A gestão do equipamento terá que ter sempre presente a missão de “Serviço Público de Cultura”;
    4. Incorporar na programação do equipamento a promoção da igualdade de acesso à cultura e da diversidade cultural.
    5. Estimular parcerias ao nível da programação e produção cultural com as forças vivas e artísticas do concelho;
    6. Criar ciclos de formação em Gestão Cultural para os agentes culturais do concelho;
    7. Elaborar estudos de públicos;
    8. Estabelecer parâmetros de avaliação de objectivos e criação de indicadores;
    9. Aumentar a eficácia da comunicação, informação e divulgação cultural.

Mesmo a terminar, uma provocação que faço aos potenciais futuros governantes da minha terra; um desafio para si próprios: que se sintam audazes e inovadores; em suma, que sejam diferentes. Tentem em Alenquer, na cultura, aquilo que nunca foi possível noutras áreas; ou seja, a governança; ou seja, deixar uma marca de distinção para o futuro. Foucault considerava que a distinção entre a acção governamental tradicional e a governança envolve a forma, ou os métodos, de dirigir a condução individual ou grupal: enquanto o governo tradicional dirige o comportamento da população através de instituições e leis, a governança dá atenção às mudanças de táctica e de estratégia, às técnicas de micro poder e aos vários movimentos do poder “que voa debaixo do radar da soberania e da lei”. Governança integra, assim, uma rede de relações entre governantes e governados em vez de uma relação hierárquica entre uns e outros.

Alenquer, 12 de Junho de 2013

Hernâni de Lemos Figueiredo
©Hernâni de Lemos Figueiredo (2013)

Programador Cultural

hernani.figueiredo@sapo.pt

965 523 785

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